sábado, 3 de maio de 2014

2º Bimestre - Filosofia Política

A VIDA POLÍTICA
A Invenção da política 
O Surgimento da Cidade
- Quando se afirma que os gregos e romanos inventaram a política, não se quer dizer que, antes deles, não existiam o poder e a autoridade, mas que inventaram o poder e a autoridade políticos propriamente ditos, ou seja, que desfizeram as características que havia anteriormente, de poder despótico ou patriarcal exercido pelo chefe de família sobre um conjunto de famílias a ele ligadas por laços de dependência econômica e militar, por alianças matrimoniais, numa relação pessoal em que o chefe garantia proteção e os súditos ofereciam lealdade e obediência.
- Apesar das diferenças históricas na formação da Grécia e de Roma, há três aspectos comuns a ambas e decisivos para a invenção da política. O primeiro é a forma da propriedade da terra; o segundo, o fenômeno da urbanização; e o terceiro, o modo de divisão territorial das cidades.
- Como a propriedade da terra não pertencia à aldeia nem ao rei, mas as famílias independentes, e como as guerras ampliavam o contingente de escravos, formou-se na Grécia e em Roma uma camada pobre de camponeses que migraram para as aldeias, ali se estabeleceram como artesãos e comerciantes, prosperaram, transformaram as aldeias em centros urbanos e passaram a disputar o direito ao poder com as grandes famílias agrárias. Uma luta de classes perpassa a história grega e romana exigindo solução. 
A urbanização significou uma complexa rede de relações econômicas e sociais que colocava em confronto não só proprietários agrários, de um lado, e artesãos e comerciantes, de outro, mas também a massa de assalariados da população urbana, os não proprietários, genericamente chamados de “os pobres”. 
A luta de classes incluía, assim, lutas entre os ricos e lutas entre ricos e pobres. Tais lutas eram decorrentes do fato de que todos os indivíduos participavam das guerras externas, tanto para a expansão territorial, como para a defesa de sua cidade, formando as milícias dos nativos da cidade.
- Os primeiros chefes políticos também conhecidos como legisladores, introduziram uma divisão territorial das cidades que visava a diminuir o poderio das famílias ricas agrárias, dos artesãos e comerciantes urbanos ricos e satisfazer a reivindicação dos camponeses pobres e dos artesãos e assalariados urbanos pobres. Em Atenas, por exemplo, a pólis foi subdividida em unidades sociopolíticas denominadas demos; em Roma, em tribus. 
Quem nascesse num demos ou numa tribus, independentemente de sua situação econômica, tinha assegurado o direito de participar das decisões da cidade. No caso de Atenas, todos os naturais do demos tinham o direito de participar diretamente do poder, donde o regime ser uma democracia. 
Em Roma, os não proprietários ou os pobres formavam a plebe, que participavam indiretamente do poder porque tinha o direito de eleger um representante – o tribuno da plebe – para defender e garantir os interesses plebeus junto aos interesses e privilégios dos que participavam diretamente do poder, os patrícios, que constituíam o populus romanus. O regime político romano era, assim, uma oligarquia.
Os Principais Traços da Invenção da Política
● separaram a autoridade pessoal privada do chefe de família – senhorio patriarcal e patrimonial – do poder impessoal público, pertencente à coletividade; separaram privado e público e impediram a identificação do poder político com a pessoa do governante; 
● separaram autoridade militar do poder civil, subordinando a primeira ao segundo. Isso não significa que em certos casos, como em Esparta e Roma, o poder político não fosse também um poder militar, mas sim que as ações militares deviam ser, primeiro, discutidas e aprovadas pela autoridade política (as assembleias, em Esparta; o Senado, em Roma) e só depois realizadas.
● separaram autoridade mágico-religiosa e poder temporal laico, impedindo tanto a divinização dos governantes quanto sua transformação em sumos sacerdotes.
● criaram a ideia e a prática da lei como expressão de uma vontade coletiva e pública, definidora dos direitos e deveres para todos os cidadãos, impedindo que fosse confundida com a vontade pessoal de um governante
● criaram instituições públicas para aplicação das leis e garantia dos direitos, isto é, os tribunais e os magistrados; 
● criaram a instituição do erário publico ou do fundo público, isto é, dos bens e recursos que pertencem à sociedade e são por ela administrados por meio de taxas, impostos e tributos, impedindo a concentração da propriedade e da riqueza nas mãos dos dirigentes; 
● criaram o espaço político ou espaço público – a Assembleia grega e o Senado romano -, no qual os que possuíam direitos iguais de cidadania discutiam suas opiniões, defendiam seus interesses, deliberavam em conjunto e decidiam por meio do voto, podendo, também pelo voto, revogar uma decisão tomada. É esse o coração da invenção política. De fato, a marca do poder despótico eram deliberação e a decisão a portas fechadas. A política, ao contrário, introduz a prática da publicidade, a exigência de que a sociedade seja informada, conheça as deliberações e participe da tomada de decisão.

O Significado da Invenção da Política 

Para responder às diferentes formas assumidas pelas lutas de classes, a política é inventada de um modo que, a cada solução encontrada, um novo conflito ou uma nova luta podem surgir, exigindo novas soluções. Em lugar de reprimir os conflitos pelo uso da força e da violência das armas, a política aparece como trabalho legítimo dos conflitos, de tal modo que o fracasso nesse trabalho é a causa do uso da força e da violência. 
A democracia ateniense e as oligarquias de Esparta e da República romana fundaram a ideia e a prática da política na cultura ocidental. Eis por que os historiadores gregos, quando a Grécia caiu sob o domínio do império de Alexandre da Macedônia, e os historiadores romanos, quando Roma sucumbiu ao domínio do império dos césares, falaram em corrupção e decadência da política: para eles, o desaparecimento da pólis e da res publica significava o retorno ao despotismo e o fim da vida política propriamente dita.

A sociedade contra o Estado

Para regular os conflitos, determinar limites às lutas, garantir que os ricos conservem suas riquezas e os pobres aceitem sua pobreza, surge uma chefia que, como vimos, pode tomar duas direções: ou o chefe se torna senhor das terras, armas e deuses e transforma sua vontade em lei, ou o poder é exercido por uma parte da sociedade – os cidadãos -, através de práticas e instituições públicas fundadas na lei e no direito como expressão da vontade coletiva. Nos dois casos, surge o Estado como poder separado da sociedade e encarregado de dirigi-la, comandá-la, arbitrar os conflitos e usar a força. Há, porém, um terceiro caminho.
As filosofia políticas
A noção de justiça fora, inicialmente, elaborada em termos míticos com base em três figuras principais:
 - thémis, a lei divina trazida pela deusa Thémis, que institui a ordem do Universo;
 - kósmos, a ordem universal estabelecida pela lei divina;
 - E diké, a justiça que a deusa Diké institui entre as coisas e entre os homens, no respeito as leis divinas e à ordem cósmica.
A ideia de justiça
A ideia de justiça se refere, portanto, a uma ordem divina e natural, que regula, julga e pune as ações das coisas e dos seres humanos.
A justiça é a lei e a ordem do mundo, isto é, da natureza ou physis. Lei (nómos), natureza (physis) e a ordem (kósmos) constituem assim o campo da ideia de justiça.
Política x mito
A invenção da política exigiu que as explicações míticas fossem afastadas – thémis e diké deixaram de ser vistas como duas deusas que impunham ordem e leis ao mundo e aos seres humanos.
Justo é o que segue a ordem natural e respeita a lei natural.
Posição dos sofistas
Para os sofistas, a polis nasce por convenção entre os seres humanos quando percebem que lhes é mais útil a vida em comum do que em isolamento. Convencionam regras de convivência que se tornam leis, nomos. A justiça é o consenso quanto às leis e a finalidade da política é criar e preservar esse consenso.
A finalidade da política era a justiça entendida como concórdia, conseguida na discussão pública de opiniões e interesses contrários. O debate dos opostos, a exposição persuasiva dos argumentos antagônicos, deviam levar à vitória do interesse mais bem argumentado, aprovado pelo voto da maioria.
Posição de Platão
Para Platão, os seres humanos e a polis possuem a mesma estrutura. Os humanos são dotados de três almas ou três princípios de atividade: a alma concupiscente ou desejante (situada no ventre), que busca satisfação dos apetites do corpo, tanto os necessários à sobrevivência, quanto os que, simplesmente, causam prazer; a alma irascível ou colérica (situada no peito), que defende o corpo contra as agressões do meio ambiente e de outros humanos, reagindo à dor na proteção de nossa vida; e a alma racional ou intelectual (situada na cabeça), que se dedica ao conhecimento, tanto sob a forma de percepções e opiniões vindas da experiência, quanto sob a forma de ideias verdadeiras contempladas pelo puro pensamento.
Também a polis possui uma estrutura tripartite, formada por três classes sociais: a classe econômica dos proprietários de terra, artesãos e comerciantes, que garante a sobrevivência material da cidade; a classe militar dos guerreiros, responsável pela defesa da cidade; e a classe dos magistrados, que garante o governo da cidade sob as leis.
Um homem, diz Platão, é injusto quando a alma concupiscente (os apetites e prazeres) é mais forte do que as outras duas, dominando-as. Também é injusto quando a alma irascível (a agressividade) é mais poderosa do que a racional, dominando-a. O que é, pois, o homem justo? Aquele cuja alma racional (pensamento e vontade) é mais forte do que as outras duas almas, impondo à concupiscente a virtude da temperança ou moderação, e à irascível, a virtude da coragem, que deve controlar a concupiscência. O homem justo é o homem virtuoso; a virtude, domínio racional sobre o desejo e a cólera. A justiça ética é a hierarquia das almas, a superior dominando as inferiores.
Posição de Aristóteles
Para determinar o que é a justiça, diz ele, precisamos distinguir dois tipos de bens: os partilháveis e os participáveis. Um bem é partilhável quando é uma quantidade que pode ser dividida e distribuída – a riqueza é um bem partilhável. Um bem é participável quando é uma qualidade indivisível, que não pode ser dividida nem distribuída, podendo apenas ser participada – o poder político é um bem participável. Existem, pois, dois tipos de justiça na Cidade: a distributiva, referente aos bens econômicos; e a participativa, referente ao poder político. A Cidade justa saberá distingui-las e realizar ambas.
Ética e política
Se a política tem como finalidade a vida justa e feliz, isto é, a vida propriamente humana digna de seres livres, então é inseparável da ética.
Platão identificara a justiça no indivíduo e a justiça na polis. Aristóteles subordina o bem do indivíduo ao Bem Supremo da polis. Esse vínculo interno entre ética e política significava que as qualidades das leis e do poder dependiam das qualidades morais dos cidadãos e vice-versa, das qualidades da Cidade dependiam as virtudes dos cidadãos. Somente na Cidade boa e justa os homens poderiam ser bons e justos; e somente homens bons e justos são capazes de instituir uma Cidade boa e justa.
Romanos: a construção do príncipe
Os pensadores romanos viram-se entre duas teorias: a platônica, que pretendia chegar à política legítima e justa educando virtuosamente os governantes; e a aristotélica, que pretendia chegar à política legítima e justa propondo qualidades positivas para as instituições da Cidade, das quais dependiam as virtudes dos cidadãos. Entre as duas, os romanos escolheram a platônica, mas tenderam a dar menor importância à organização política da sociedade (as três classes platônicas) e maior importância à formação do príncipe virtuoso.
O príncipe, como todo ser humano, é passional e racional, porém, diferentemente dos outros humanos, não poderá ceder às paixões, mas apenas à razão. Por isso, deve ser educado para possuir um conjunto de virtudes que são próprias do governante justo, ou seja, as virtudes principescas. O verdadeiro vir (varão, em latim) possui três séries de virtudes ou qualidades morais. A primeira delas é comum a todo homem virtuoso, sendo constituída pelas quatro virtudes cardeais: sabedoria ou prudência, justiça ou eqüidade, coragem e temperança ou moderação. A segunda série constitui o conjunto das virtudes propriamente principescas: honradez ou disposição para manter os princípios em todas as circunstâncias, magnanimidade ou clemência, isto é, capacidade para dar punição justa e para perdoar, e liberalidade, isto é, disposição para colocar sua riqueza a serviço do povo. Finalmente, a terceira série de virtudes refere-se aos objetivos que devem ser almejados pelo príncipe virtuoso: honra, glória e fama.
O poder teológico-político: o cristianismo

Para compreendermos as teorias políticas cristãs precisamos ter em mente as duas tradições que o cristianismo recebe como herança e sobre as quais elaborará suas próprias ideias: a hebraica e a romana.
Os hebreus, embora tenham conhecido várias modalidades de governo, deram ao poder, sob qualquer forma em que fosse exercido, uma marca fundamental irrevogável: o caráter teocrático.
Do lado romano no período em que o cristianismo se expande e se encontra em vias de tornar-se religião oficial do Império Romano, o príncipe já se encontra investido de novos poderes. Sendo Roma senhora do Universo, o imperador romano tenderá a ser visto como senhor do Universo, ocupando o topo da hierarquia do mundo, em cujo centro está Roma, a Cidade Eterna. 
A elaboração da teoria política cristã como teologia política resultará da apropriação dessa dupla herança pelo poder eclesiástico.

A instituição eclesiástica

O cristianismo, diferentemente da maioria das religiões antigas, não surge como religião nacional ou de um povo ou de um Estado determinados. No entanto, ele deveria ter sido uma religião nacional, uma vez que Jesus se apresentava como o messias esperado pelo povo judaico. Em outras palavras, se Jesus tivesse sido vitorioso, teria sido capitão, rei e sacerdote, pois era assim que o messias havia sido imaginado e esperado. Derrotado pela monarquia judaica, que usara o poder do Império Romano para julgá-lo e condená-lo, Jesus ressurge (ressuscita) como figura puramente espiritual, rei de um reino que não é deste mundo. O cristianismo se constitui, portanto, à margem do poder político e contra ele, pois os “reinos deste mundo” serão, pouco a pouco, vistos como obra de Satanás para a perdição do gênero humano.
O poder imperial romano criara, sem o saber, a ideia do homem universal, sem pátria e sem comunidade política. O cristianismo será uma seita religiosa dirigida aos seres humanos em geral, com a promessa de salvação individual eterna. À ideia política da lei escrita e codificada em regras objetivas contrapõe a ideia de lei moral invisível (o dever à obediência a Deus e o amor ao próximo), inscrita pelo Pai no coração de cada um.
A ekklesia organiza-se a partir de uma autoridade constituída pelo próprio Cristo quando, na última ceia, autoriza os apóstolos a celebrar a eucaristia (o pão e o vinho como símbolos do corpo e sangue do messias) e, no dia de Pentecostes, ordena-lhes que preguem ao mundo inteiro a nova lei e a Boa Nova (o Evangelho).

O poder eclesiástico

O poderio da Igreja cresce à medida que se esfacela e desmorona o Império Romano. Dois motivos levam a esse crescimento: em primeiro lugar, a expansão do próprio cristianismo pela obra da evangelização dos povos, realizada pelos padres nos territórios do Império Romano e para além deles; em segundo lugar, porque o esfacelamento de Roma, do qual resultará, nos séculos seguintes, a formação sócio-econômica conhecida como feudalismo, fragmentou a propriedade da terra (anteriormente, tida como patrimônio de Roma e do imperador) e fez surgirem pequenos poderes locais isolados, de sorte que o único poder centralizado e homogeneamente organizado era o da Igreja.
A Igreja (tanto em Roma quanto em Bizâncio, tanto no Ocidente quanto no Oriente) detém três poderes crescentes, à medida que o Império decai: 1. o poder religioso de ligar os homens a Deus e dele desligá-los; 2. o poder econômico decorrente de grandes propriedades fundiárias acumuladas no correr de vários séculos, seja porque os nobres do Império, ao se converterem, doaram suas terras à instituição eclesiástica, seja porque esta recebera terras como recompensa por serviços prestados aos imperadores; 3. o poder intelectual, porque se torna guardiã e intérprete única dos textos sagrados – a Bíblia – e de todos os textos produzidos pela cultura greco-romana – direito, filosofia, literatura, teatro, manuais de técnicas, etc. Saber ler e escrever tornou-se privilégio exclusivo da instituição eclesiástica. Será a Igreja, portanto, a formuladora das teorias políticas cristãs para os reinos e impérios cristãos. Essas teorias elaborarão a concepção teológico-política do poder, isto é, o vínculo interno entre religião e política.

Dupla investidura

As teorias teológico-políticas foram elaboradas para resolver dois conflitos que atravessam toda a Idade Média: o conflito entre o papa e o imperador, de um lado, e entre o imperador e as assembleias dos barões, de outro. O conflito papa-imperador é consequência da concepção teocrática do poder. Se Deus escolhe quem deverá representá-lo, dando o poder ao escolhido, quem é este: o papa ou o imperador? 
A primeira solução encontrada, após a querela das investiduras, foi trazida pelos juristas de Carlos Magno, com a teoria da dupla investidura: o imperador é investido no poder temporal pelo papa que o unge e o coroa; o papa recebe do imperador a investidura da espada, isto é, o imperador jura defender e proteger a Igreja, sob a condição de que esta nunca interfira nos assuntos administrativos e militares do império. Assim, o imperador depende do papa para receber o poder político, mas o papa depende do imperador para manter o poder eclesiástico.
O conflito entre o imperador e as assembleias dos barões e reis diz respeito à escolha do imperador. Este conflito revela o problema de uma política fundada em duas fontes antagônicas. De fato, barões e reis invocam a chamada Lei Régia Romana, segundo a qual o governante recebe do povo o poder, sendo, portanto, ocupante eleito do poder. Barões e reis afirmam que são os instituidores do imperador. Este, porém, invoca a Bíblia e a origem teocrática do poder, afirmando que seu poder não vem dos barões e reis, mas de Deus.

A solução será trazida pela teoria que distingue entre eleição e unção. O imperador, de fato, é eleito pelos pares para o cargo, mas só terá o poder através da unção com óleos santos – afirma-se que é ungido com o mesmo óleo que ungiu Davi e Salomão – e quem unge o imperador é a Igreja, isto é, o papa.

Os dois corpos do rei

Como se observa, a teoria da dupla investidura e da distinção entre eleição e unção deixa o imperador à mercê do papa. Para fortalecer o imperador contra o papa, os reis e os barões, é elaborada uma teoria, que, mais tarde, sustentará as teorias da monarquia absoluta por direito divino. Trata-se da teologia política dos dois corpos do rei (isto é, do imperador).

Um rei-pela-graça-de-Deus é a imitação de Jesus Cristo. Jesus possui duas naturezas: a humana, mortal, e a mística ou divina, imortal. Como Jesus, o rei tem dois corpos: um corpo humano, que nasce, vive, adoece, envelhece e morre, e um corpo místico, perene e imortal, seu corpo político. O corpo político do rei não nasce, nem adoece, envelhece ou morre. Por isso, ninguém, a não ser Deus, pode lhe dar esse corpo, e ninguém, a não ser Deus, pode tirar-lhe tal corpo. Não o recebe nem dos barões e reis, nem do papa, e não pode ser-lhe tirado pelos reis, pelos barões ou pelo papa.

domingo, 23 de março de 2014

Ética e ciência

A genética moderna conferiu aos seres humanos um grande poder sobre a hereditariedade, trazendo técnicas para conhecer os genes das espécies vegetais e animais, para decifrar as mensagens químicas cifradas das moléculas gênicas e até para modificar genótipos individuais. 
A biologia molecular, descobrindo a origem da vida, abalou os alicerces dos mitos, das religiões, da sabedoria tradicional e dos valores humanos. 
A responsabilidade moral e os limites do conhecimento genético contemporâneo
Os conhecimentos desenvolvidos nessa área do saber, ainda que imensos e cientificamente revolucionários, são ainda muito pequenos e incertos. No entanto, precipitadamente, já têm propiciado ações sobre espécies vegetais e animais e sobre o homem, sem que se possa prever os efeitos futuros dessas intervenções. O chamado caso da “doença da bolha” pode servir de exemplo aqui. Os que sofrem dessa doença possuem graves problemas imunológicos, isto é, seu organismo não produz glóbulos brancos que sirvam de anticorpos que o proteja de agressões do meio ambiente. Para conservar em vida essas pessoas, elas são confinadas desde o nascimento em ambientes de assepsia perfeita e completa (a “bolha”) e não entram em contato direto com nenhuma outra forma de vida, nem mesmo humana. Tem sido considerado um sucesso um experimento genético realizado para alterar as células das crianças nascidas com esse terrível problema, de maneira que possam fabricar os glóbulos brancos ou leucócitos e levar uma vida normal. Infelizmente, algumas dessas crianças agora estão morrendo pelo problema contrário, isto é, por leucemia ou fabricação excessiva de leucócitos.
Os cientistas que pretendem sequenciar o genoma humano acreditam chegar a um conhecimento que nos livre de dores e sofrimentos, cure doenças, prolongue a juventude e adie a morte, graças ao aperfeiçoamento da própria espécie humana com o controle sobre a hereditariedade.
Um dos problemas éticos mais graves trazidos pela genética encontra-se na chamada “sondagem gênica”, por meio da qual se pretende detectar, por exemplo, pessoas que teriam genes que as predisporiam para a criminalidade ou as que teriam genes que as predisporiam para certas doenças ligadas a certos tipos de trabalho.
Um segundo problema, derivado do anterior, é trazido pela chamada “terapia gênica germinal”, isto é, que intervém em células humanas da reprodução ou células germinais com a finalidade de curar doenças genéticas ou corrigir “defeitos genéticos”. 
Problema científico: a intervenção sobre células reprodutoras para curar doenças genéticas não pode ser feita sem que se tenha uma clara e perfeita definição do que é a doença. Ora, a genética ainda não possui essa definição. 
Problema moral: O da eugenia, isto é, a velha ideia de “pureza da raça” ou de purificação da espécie, em nome da qual não só seriam feitas intervenções e modificações nas células reprodutoras, mas também se justificaria a eliminação dos “impuros” ou dos “inferiores” ou dos “defeituosos”. 

sábado, 8 de março de 2014

A Liberdade

A liberdade
A liberdade como problema
O que está inteiramente em nosso poder e o que depende inteiramente de causas e forças exteriores que agem sobre nós?
Podemos mais do que o mundo ou este pode mais do que nossa liberdade?
Até onde se estende o poder de nossa vontade, de nosso desejo, de nossa consciência?
A liberdade como questão filosófica
Par necessidade-liberdade:
-          A realidade é feita de situações adversas e opressoras, contra as quais nada podemos fazer, pois são necessárias;
-          Necessidade é o termo empregado para referir-se ao todo da realidade, existente em si e por si, que age sem nós e nos insere em sua rede de causas e efeitos, condições e consequências;
-          Fatalidade é o termo usado quando pensamos em forças transcendentes superiores às nossas e que nos governam, queiramos ou não;
-          Determinismo é o termo empregado para referir-se às relações causais necessárias que regem a realidade conhecida e controlada pela ciência.
Par contingência-liberdade:
- Contingência ou acaso significam que a realidade é imprevisível e mutável, impossibilitando deliberação e decisão racionais, definidoras da liberdade.
Exemplo de oposição entre necessidade e liberdade
Não escolhi nascer numa determinada época, num determinado país, numa determinada família, com um corpo determinado. As condições de meu nascimento e de minha vida fazem de mim aquilo que sou e minhas ações, meus desejos, meus sentimentos, minhas intenções, minhas condutas resultam dessas condições, nada restando a mim senão obedecê-las. Como dizer que sou livre e responsável?
Exemplo de oposição entre contingência e liberdade
Quando minha mãe estava grávida de mim, houve um acidente sanitário, provocando uma epidemia. Minha mãe adoeceu. Nasci com problemas de visão. Foi por acaso que a gravidez de minha mãe coincidiu com o acaso da epidemia: por acaso, ela adoeceu; por acaso, nasci com distúrbios visuais. Tendo tais distúrbios, preciso de cuidados médicos especiais. No entanto, na época em que nasci, o governo de meu país instituiu um plano econômico de redução de empregos e privatização do serviço público de saúde. Meu pai e minha mãe ficaram desempregados e não podiam contar com o serviço de saúde para meu tratamento. Tivesse eu nascido em outra ocasião, talvez pudesse ter sido curada de meus problemas visuais.
Três grandes concepções da liberdade
Primeira concepção da liberdade
 - A primeira grande teoria filosófica da liberdade é exposta por Aristóteles em sua obra Ética a Nicômaco e, com variantes, permanece através dos séculos, chegando até o século XX, quando foi retomada por Sartre.
- Nessa concepção, a liberdade se opõe ao que é condicionado externamente (necessidade) e ao que acontece sem escolha deliberada (contingência).
-  Diz Aristóteles que é livre aquele que tem em si mesmo o princípio para agir ou não agir, isto é, aquele que é causa interna de sua ação ou da decisão de não agir.
-  A liberdade é concebida como o poder pleno e incondicional da vontade para determinar a si mesma ou para ser autodeterminada.
-  É pensada, também, como ausência de constrangimentos externos e internos, isto é, como uma capacidade que não encontra obstáculos para se realizar, nem é forçada por coisa alguma para agir.
-  Trata-se da espontaneidade plena do agente, que dá a si mesmo os motivos e os fins de sua ação, sem ser constrangido ou forçado por nada e por ninguém.
- Sartre levou essa concepção ao ponto limite. Para ele, a liberdade é a escolha incondicional que o próprio homem faz de seu ser e de seu mundo.
- Quando julgamos estar sob o poder de forças externas mais poderosas do que nossa vontade, esse julgamento é uma decisão livre, pois outros homens, nas mesmas circunstâncias, não se curvaram nem se resignaram.
- Sartre afirma que estamos condenados à liberdade. É ela que define a humanidade dos humanos, sem escapatória.
Segunda concepção da liberdade
-          A segunda concepção da liberdade foi, inicialmente, desenvolvida por uma escola de Filosofia do período helenístico, o estoicismo, ressurgindo no século XVII com o filósofo Espinosa e, no século XIX, com Hegel e Marx.
-          Eles conservam a idéia aristotélica de que a liberdade é a autodeterminação ou ser causa de si. Conservam também a ideia de que é livre aquele que age sem ser forçado nem constrangido por nada ou por ninguém e, portanto, age movido espontaneamente por uma força interna própria.
No entanto, diferentemente de Aristóteles e de Sartre, não colocam a liberdade no ato de escolha realizado pela vontade individual, mas na atividade do todo, do qual os indivíduos são partes.
O todo ou a totalidade pode ser a Natureza – como para os estóicos e Espinosa  -, ou a Cultura  – como para Hegel  – ou, enfim, uma formação histórico-social  – como para Marx.
Em qualquer dos casos, é a totalidade que age ou atua segundo seus próprios princípios, dando a si mesma suas leis, suas regras, suas normas.
Essa totalidade é livre em si mesma porque nada a força ou a obriga do exterior, e por sua liberdade instaura leis e normas necessárias para suas partes (os indivíduos).
Liberdade Humana
  1. a primeira afirma que o todo é racional e que suas partes também o são, sendo livres quando agirem em conformidade com as leis do todo, para o bem da totalidade;
  2. a segunda afirma que as partes são de mesma essência que o todo e, portanto, são racionais e livres como ele, dotadas de força interior para agir por si mesmas, de sorte que a liberdade é tomar parte ativa na atividade do todo.
Terceira concepção da liberdade
Não somos um poder incondicional de escolha de quaisquer possíveis, mas que nossas escolhas são condicionadas pelas circunstâncias naturais, psíquicas, culturais e históricas em que vivemos, isto é, pela totalidade natural e histórica em que estamos situados.
Essa terceira concepção da liberdade introduz a noção de possibilidade objetiva.
-          O possível não é apenas alguma coisa sentida ou percebida subjetivamente por nós, mas é também e sobretudo alguma coisa inscrita no coração da necessidade, indicando que o curso de uma situação pode ser mudado por nós, em certas direções e sob certas condições.
-          A liberdade é a capacidade para perceber tais possibilidades e o poder para realizar aquelas ações que mudam o curso das coisas, dando-lhe outra direção ou outro sentido.
Vida e morte
Vida e morte são acontecimentos simbólicos, são significações;
Viver e morrer são a descoberta da finitude humana, de nossa temporalidade e de nossa identidade;
A ética é o mundo das relações intersubjetivas, isto é, entre o eu e o outro como sujeitos

sábado, 15 de fevereiro de 2014

A Filosofia Moral II

História e virtudes
Comparando Aristóteles ao cristianismo
·          Virtudes prudentes à virtudes teologais (Deus)
·          Vício à pecado
·          Trocas de valores: modéstia e trabalho.
A ética de Espinosa
·          Somos seres naturalmente afetivos, isto é, nosso corpo é ininterruptamente afetado por outros corpos
·          O afeto ou o sentimento é constitutivo de nosso corpo e de nossa alma
·          Nossos afetos são naturalmente paixões
·          Paixões originais: alegria, tristeza e desejo
·          Vício: é a fraqueza para existir, agir e pensar/ Virtude: ter força interior para passar da passividade à atividade
·          A passagem da servidão à liberdade se dá no interior das paixões
·          Bom é que é útil para o crescimento de nosso ser; e mau o que nos impede de alcançar algo bom para nossa existência

Razão, desejo e vontade
·          Concepção intelectualista da ética: a vida virtuosa depende do conhecimento
·          Concepção voluntarista da ética: a vida moral depende essencialmente da nossa vontade
·          Distinção entre necessidade (conservação da existência) e desejo (adiciona o sentimento de prazer)
·          Vontade: o ato voluntário implica um esforço para vencer obstáculos; exige discernimento e reflexão antes de agir; refere-se ao possível
Desejo
Vontade
Paixão
Decisão
Imaginação
Reflexão
Não suporta o tempo
Realiza-se no tempo

·          Consciência e desejo referem-se às nossas intenções e motivações; a vontade, às nossas ações e finalidades
·          Ética das emoções e do desejo: para o emotivismo ético, o fundamento da vida moral não é a razão, mas a emoção.
·          Moral dos escravos (ressentidos): renunciam a verdadeira liberdade ética
·          Racionalismo humanista: mudança da sociedade para a ética realizar-se
Ética e psicanálise
·          O problema do inconsciente na ética
·          A psicanálise mostra que somos resultado e expressão de nossa história de vida, marcada pela sexualidade insatisfeita, que busca satisfações imaginárias sem jamais poder satisfazer-se plenamente. Não somos autores nem senhores de nossa história, mas efeitos dela. Mostra-nos também que nossos atos são realizações inconscientes de motivações sexuais que desconhecemos e que repetimos vida afora.
·          A psicanálise encontra duas instâncias ou duas faces antagônicas no inconsciente: o id ou libido sexual, em busca da satisfação, e o superego ou censura moral, interiorizada pelo sujeito, que absorve os valores de sua sociedade.
·          A batalha interior só pode ser decidida em nosso proveito por uma terceira instância: a consciência.