sábado, 9 de novembro de 2013

As instituições sociais

Instituição é toda forma ou estrutura social estabelecida, constituída, sedimentada na sociedade e com caráter normativo – ou seja, ela define regras (normas) e exerce formas de controle social. Ex: Estado, família, escola e igreja.
As instituições são formadas para atender a necessidades sociais. Servem também de instrumento de regulação e controle das relações sociais e das atividades dos membros da sociedade que estão inseridos. Para isso, dispõem de um poder normativo e coercitivo aceito pela maioria da população dessa sociedade.
Características:
-          Exterioridade: são dotadas de realidade externa ao indivíduo.
-          Objetividade: quase todas as pessoas reconhecem as instituições como algo legítimo.
-          Coercitividade: as instituições tem o poder de exercer pressões sobre as pessoas, de modo a levá-las a agir segundo os padrões de comportamento considerados corretos pela sociedade.
-    Autoridade moral: as instituições são reconhecidas pelas pessoas como tendo o direito legítimo de exercer seu poder e obrigar os integrantes da sociedade (pela força ou pelo convencimento) a agir segundo determinados padrões.
-          Historicidade: as instituições já existiam antes do nascimento do indivíduo e continuarão a existir depois de sua morte; elas têm sua própria história.
As instituições sociais normatizam os grupos
Grupo Social ≠ Instituição Social
Os grupos sociais são conjuntos de indivíduos com objetivos comuns, envolvidos num processo de interação mais ou menos contínuo.
As instituições sociais se baseiam em regras e procedimentos que se aplicam a diversos grupos.
As instituições sociais são interdependentes
Uma instituição não existe isolada das outras. Há entre elas uma relação de interdependência, de tal forma que qualquer alteração em determinada instituição pode acarretar mudanças maiores ou menores nas outras.
As principais instituições sociais são: a Família, o Estado, as instituições Educacionais, e Igreja e as instituições Econômicas.
FAMÍLIA
Grupo primário de forte influência na formação do indivíduo, a família é o primeiro corpo social no qual os indivíduos convivem. É um tipo de agrupamento social cuja estrutura varia em alguns aspectos no tempo e no espaço. Essa variação pode se referir ao número e à forma do casamento, ao tipo de família e aos papeis familiares.
Monogamia versus poligamia
FAMÍLIA MONOGÂMICA é aquela em que a pessoa tem apenas um cônjuge, quer esta relação seja estabelecida por uma aliança indissolúvel, quer se admita o divórcio. 
FAMÍLIA POLIGÂMICA é aquela em que a pessoa pode ter dois ou mais cônjuges.
Ao casamento de uma mulher com dois ou mais homens dá-se o nome de POLIANDRIA (comuns entre as tribos do Tibete e entre os esquimós). 
O casamento de um homem com várias mulheres chama-se POLIGINIA (comum entre algumas tribos africanas e entre os mulçumanos). 
Formas de casamento
ENDOGAMIA quer dizer casamento permitido apenas dentro do mesmo grupo, da mesma tribo.
EXOGAMIA trata-se da união com alguém de fora do grupo, que eventualmente pode ser também de religião, raça ou classe social diferentes.
Endogamia e exogamia são formas de casamento que supõem o enlace heterossexual tradicional. Mais recentemente, porém, alguns países passaram a adotar legalmente o casamento homossexual.
Classificação das famílias
FAMÍLIA CONJUGAL ou NUCLEAR – reúne marido, a mulher e os filhos.
FAMÍLIA CONSANGUÍNEA ou EXTENSA – engloba, além do casal e seus filhos, outros parentes como avó, netos genros, noras, primos e sobrinhos.
Principais funções da família
FUNÇÃO SEXUAL E REPRODUTIVA: garante a satisfação dos impulsos sexuais dos cônjuges e perpetua a espécie humana com a geração de filhos;
FUNÇÃO ECONÔMICA: aquela que assegura os meios de subsistência e bem-estar de seus integrantes;
FUNÇÃO EDUCACIONAL: responsável pela transmissão à criança dos valores e padrões culturais da sociedade; ao cumprir essa função a família se torna o primeiro agente de socialização do indivíduo.
Em tempos de globalização
A sociedade pós-industrial criou um novo padrão de família.
O “chefe de família” já não é apenas o pai.
A mãe deixou de ser sinônimo de “rainha do lar”.
A troca de papeis entre pais e mães são constantes.
O homem participa das tarefas domésticas
Diminuiu o número de famílias nucleares.
Aumentou o número de divórcios.
Aumentou, também, o número de filhos de mães solteiras.
Caiu o número de nascimentos, principalmente nos países europeus.
O divórcio, a viuvez, o abandono e a competitividade aumentam o número de famílias MONOPARENTAIS.
A desestrutura familiar pode ser relacionada ao aumento da criminalidade entre jovens e adolescentes.
IGREJA
Todas as sociedades conheceram ou conhecem alguma forma de religião. A crença em algum tipo de divindade e o sentimento religioso são fenômenos comuns a todas as épocas e lugares do planeta.
Cada povo tem nas crenças religiosas um fator de estabilidade, de aceitação da hierarquia social e de obediência às normas que a sociedade considera necessárias para a manutenção do equilíbrio social. Por isso, a religião desempenhou quase sempre uma função social estabilizadora.
A religião envolve a crença em poderes sobrenaturais ou misteriosos. Geralmente, todas as religiões têm seu lugar de culto: igrejas, templos, mesquitas, sinagogas, etc.
Há muitas formas e manifestações religiosas em todo o mundo. Existem grupos que acreditam em vários deuses. Esses são chamados de POLITEÍSTAS, como o hinduismo, por exemplo.
Outras religiões acreditam na existência de um único deus, sendo chamadas, portanto, de religiões MONOTEÍSTAS, como, por exemplo, o islamismo, o cristianismo e o judaísmo.
Com o desenvolvimento industrial, as religiões ocidentais sofreram transformações, fazendo com que procurem conciliar suas doutrinas com o avanço do conhecimento científico.
Entre algumas igrejas, passou-se a dar mais atenção às questões sociais.
Em 1891, o papa Leão III, através da Encíclica Rerum novarum, expôs a “doutrina social da igreja”, que, buscando fazer frente ao socialismo, afirmou a necessidade de o Estado garantir melhores salários e condições de uma vida digna para os trabalhadores.
Em 1979, na América Latina surgiu a “Teologia da Libertação”, doutrina defendida por alguns sacerdotes e bispos da Igreja católica que defende o engajamento da instituição religiosa na luta contra as desigualdades e por justiça social.
Hoje alguns movimentos religiosos defendem uma participação maior das Igrejas na solução dos problemas sociais e vêm procurando ressaltar mais as questões éticas do que os dogmas religiosos.
Um fenômeno religioso contemporâneo é o crescente uso dos meios de comunicação social de massa pelas igrejas. Vários programas são veiculados na televisão, rádio, filmes, jornais, Internet, como um meio de difusão das crenças religiosas.
ESTADO
O Estado é a instituição social que dispõe do MONOPÓLIO DA FORÇA LEGÍTIMA, ou seja, é a instituição detentora do direito de recorrer à força sempre que isso seja necessário, e que esse direito é reconhecido pela sociedade.
A lei confere ao Estado o direito de recorrer a várias formas de pressão, inclusive a violência, para que suas decisões sejam obedecidas. Esse direito é geralmente executado por oficiais de justiça e policiais em cumprimento de ordens judiciais determinadas pelos detentores do poder Judiciário.
Em virtude do seu monopólio da força legítima, o Estado detém o poder supremo na sociedade. Ele reserva para si o direito de impor e de obrigar aqueles que discordam de suas decisões a cumprirem a lei. Qualquer outro uso da força ou coerção – por bandidos, soldados amotinados, grupos rebeldes – é ilegítimo e coibido pelo Estado.
Portanto, a função do Estado é fazer cumprir a lei. Caso não cumpra esse papel, corre o risco de deixar de existir.
Alguns componentes do Estado
TERRITÓRIO: constitui sua base física, sobre a qual exerce sua jurisdição.
POPULAÇÃO: é composta pelos habitantes do território.
INSTITUIÇÕES POLÍTICAS: entre elas sobressaem os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário; o núcleo do poder do Estado, contudo, está nas mãos do governo – grupos de pessoas colocadas à frente dos órgãos administrativos e que exercem temporariamente o poder público em nome da sociedade.
Estado e Nação
ESTADO ≠ NAÇÃO
NAÇÃO: conjunto de pessoas ligadas entre si por laços permanentes de idioma, tradições, costumes e valores; é anterior ao Estado, podendo existir sem ele.
ESTADO: pode compreender várias nações, como é o caso do Reino Unido (ou Grã Bretanha, formada pela Escócia, Irlanda do Norte, País de Gales e Inglaterra).
Estado e Governo
ESTADO ≠ GOVERNO
ESTADO: instituição social permanente ou de longa duração.
GOVERNO: componente transitório do Estado.
O governo age em nome do Estado.
Nas sociedades democráticas é a Constituição que atribui legitimidade aos governos.
Formas de Governo
Os três poderes do Estado são:
EXECUTIVO: incumbido de executar as leis;
LEGISLATIVO: encarregado de elaborar as leis;
JUDICIÁRIO: responsável pela distribuição de justiça e pela interpretação da Constituição.
O governo pode adotar as seguintes formas:
MONARQUIA: o governo é exercido por uma só pessoa (rei ou rainha), que herda o poder e o mantém até a morte.
REPÚBLICA: o poder é exercido por representantes do povo eleitos periodicamente pelos cidadãos.
Em países como Espanha, Inglaterra e Suécia, a forma de governo é a monarquia, porém os reis possuem apenas poder simbólico, cabendo ao Parlamento, cujos representantes são democraticamente eleitos, o exercício efetivo do poder. São  chamadas de monarquias constitucionais.
Nas repúblicas modernas há dois tipos de regime: o PARLAMENTARISTA e PRESIDENCIALISTA.
ESCOLA
“A escola é uma maravilhosa colaboradora, mas são os pais que educam... As bases que desenvolvem o caráter da criança correspondem aos pais, cabendo à escola o papel de orientadora e reforçadora da educação familiar, que deve ensinar os modelos de convivência e exemplificar a verdade, a alegria, a paz, a tolerância, a justiça”.               
                                             Egidio Vecchio.
O OBJETIVO DA EDUCAÇÃO:
- A transmissão da cultura;
 - A adaptação dos indivíduos à sociedade (socialização);
- O desenvolvimento de suas potencialidades;
- Seleciona os elementos essenciais dentro da cultura, para serem transmitidos por pessoas especializadas.
- A escola pode ser vista como grupo social (que transmite cultura), é considerada uma reunião de indivíduos (alunos, professores e funcionários) com objetivos comuns e em contínua interação.
Mecanismos de sustentação dos agrupamentos na escola:
Liderança: o professor exerce sobre os alunos uma liderança institucional, isto é, decorre de sua própria posição na estrutura da escola. Mas o bom andamento das atividades escolares depende também da liderança positiva exercida por alunos que, por suas características pessoais, se colocam em posição de orientar o grupo.
Normas: existem regras que orientam o comportamento de alunos e professores. Assim, espera-se que o professor esteja no horário da aula, que cumpra o programa estabelecido, que responda às dúvidas dos alunos, etc. dos alunos se espera que estejam na escola no horário certo, que realizem as atividades propostas pelos professores, que estudem a matéria ensinada, que usem os trajes estabelecidos, etc.

domingo, 20 de outubro de 2013

ESTRATIFICAÇÃO E MOBILIDADE SOCIAL

Por estratificação social entendemos a distribuição de pessoas e grupos em camadas hierarquicamente superpostas dentro de uma sociedade. Essa distribuição se dá pela posição social dos indivíduos, das atividades que eles exercem e dos papéis que desempenham na estrutura social.
Podemos dizer que, em certas sociedades, as pessoas a elas pertencentes estão distribuídas entre as camadas alta (classe A), média (classe B) ou inferior (classe C), que correspondem a graus diferentes de poder, riqueza e prestígio.
Podemos ressaltar desde já que estratificação social não é sinônimo de desigualdade social.
São tipos de estratificação:
Estratificação Econômica: definida pela posse de bens materiais, cuja distribuição pouco equitativa faz com que haja pessoas ricas, pobres e em situação intermediária.
Estratificação Política: estabelecida pela posição de mando na sociedade (grupos que têm poder e grupos que não têm). Geralmente, as pessoas mais ricas detêm também mais poder.
Estratificação Profissional: baseada nos diferentes graus de importância a cada profissional pela sociedade. Por exemplo, em nossa sociedade a profissão de médico é muito mais valorizada do que a de pedreiro.
SOCIEDADES ESTRATIFICADAS
O sistema de castas
Nesse tipo de sociedade não há mobilidade social. A posição social é atribuída ao indivíduo por ocasião do nascimento, independentemente de sua vontade. A pessoa carrega consigo, pelo resta da vida, esse status social herdado de seus ancestrais.
As castas são grupos fechados, cujos integrantes devem se comportar de acordo com normas preestabelecidas de origem religiosa. Em certas regiões da Índia o casamento só é permitido entre pessoas da mesma casta.
Pode-se esquematizar a estratificação social indiana por meio da seguinte hierarquia, que apresenta apenas as castas principais, já que existem na Índia mais de 2 mil castas:
BRÂMANES: são os sacerdotes da religião hinduísta e os mestres da erudição sacra. Segundo sua crença, a eles compete preservar a ordem social, estabelecida por orientação divina.
XÁTRIAS: são os guerreiros que formam a aristocracia militar.
VAIXÁS: é formada pelos comerciantes, artesãos e camponeses.
SUDRAS: formam a base da pirâmide. Eles executam trabalhos manuais e diversas tarefas servis. São uma casta depreciada, tendo o dever de servir as três castas “superiores”.
Fora do sistema de castas estão os párias, também chamados de intocáveis. Eles são desprovidos de direitos e não tem profissão definida. São eles que executam as tarefas consideradas “sujas”, como coletar o lixo, limpar fossas e lavar cadáveres. Os párias não podem banhar-se nas águas sagradas do Rio Ganges, nem ler os Vedas, que são os livros sagrados dos hindus.
Apesar de a Constituição indiana ter abolido o sistema de castas há mais de 50 anos, a divisão social baseada nas crenças do hinduísmo ainda persiste na Índia, que tem hoje mais de 2 mil castas e 20 mil subcastas. Mesmo assim, na segunda metade do século XX, reformas sociais e mudanças na economia da Índia, impulsionadas pela industrialização, começaram a romper o sistema de divisão em castas. Assim, nos grandes centros urbanos do país, como Nova Délhi, Bombaim e Calcutá, a abolição do sistema vem ocorrendo gradativamente. Entretanto, ele ainda perdura na maior parte da Índia rural.
A sociedade estamental
O grande exemplo de sociedade estratificada em estamentos foi o modo de produção feudal, vigente na Idade Média. Para o sociólogo alemão Max Weber, o conceito de estamento está ligado a certos valores, como honra e prestígio social, que por sua vez expressam determinados estilos de vida.
O estamento é uma camada social semifechada. A posição social de uma pessoa nesse regime também lhe é atribuída desde o nascimento. Na sociedade estamental, a mobilidade social é difícil, mas não impossível, ao contrário do que ocorre na sociedade estratificada de castas.
Na sociedade feudal, a ascensão era possível. Por exemplo: os servos poderiam ser emancipados por seus senhores; o rei poderia conferir um título de nobreza a um homem do povo; a filha de um comerciante poderia se casar com um nobre, etc.
A pirâmide feudal era assim hierarquizada: nobreza e alto clero, comerciantes, artesãos, camponeses livres e baixo clero, servos.
A sociedade de classes
Marx dizia que a história da humanidade é “a história da luta de classes”. As classes sociais eram para Marx a burguesia e o proletariado. Ainda, para esse filósofo, os conflitos constituem o principal fator de mudança social.
Por outro lado, as classes sociais mudam ao longo do tempo, conforme as circunstâncias econômicas, políticas e sociais. As contradições que mantêm entre si forjam e estruturam a própria sociedade. Quando os conflitos chegam a um ponto insuportável, ocorre uma revolução que transforma a sociedade, modificando o modo de produção.
No sistema de classes há grande mobilidade social. As pessoas que integram o estrato de baixa renda (classe C), podem eventualmente ascender ao estrato de renda média (classe B) ou, mais raramente, ao de alta renda (classe A), como ocorreu com o empresário Sílvio Santos.
A mobilidade social pode ser vertical ou horizontal. A vertical varia de acordo com a renda. O sujeito sofre ascensão social quando melhora sua posição no sistema de estratificação social, passando a integrar um grupo econômico superior. Por outro lado, se a posição do indivíduo piora economicamente (perda do emprego, perda de um cargo importante, falência de uma empresa), há queda social.
Quando a pessoa experimenta alguma mudança de posição social, mas que, apesar disso, permanece no mesmo estrato social (mesma classe), então a mobilidade é chamada de horizontal. É o caso da família que se muda do interior para a capital e passa a conhecer novos serviços, nova cultura, novos lugares, mas continua pertencendo à classe C, por exemplo, pois possui a mesma renda.


quarta-feira, 18 de setembro de 2013

A teoria liberal

No pensamento político de Hobbes e Rousseau, a propriedade privada não é um direito natural, mas civil. Em outras palavras, mesmo que no Estado de Natureza (em Hobbes) e no Estado de Sociedade (em Rousseau) os indivíduos se apossem de terras e bens, essa posse é o mesmo que nada, pois não existem leis para garanti-las. A propriedade privada é, portanto, um efeito do contrato social e um decreto do soberano. Essa teoria, porém, não era suficiente para a burguesia em ascensão.

De fato, embora o capitalismo estivesse em vias de consolidação e o poderio econômico da burguesia fosse inconteste, o regime político permanecia monárquico e o poderio político e o prestígio social da nobreza também permaneciam. Para enfrentá-los em igualdade de condições, a burguesia precisava de uma teoria que lhe desse legitimidade tão grande ou maior do que o sangue e a hereditariedade davam à realeza e à nobreza. Essa teoria será a da propriedade privada como direito natural e sua primeira formulação coerente será feita pelo filósofo inglês Locke, no final do século XVII e início do século XVIII.

Locke parte da definição do direito natural como direito à vida, à liberdade e aos bens necessários para a conservação de ambas. Esses bens são conseguidos pelo trabalho.

Como fazer do trabalho o legitimador da propriedade privada enquanto direito natural?

Deus, escreve Locke, é um artífice, um obreiro, arquiteto e engenheiro que fez uma obra: o mundo. Este, como obra do trabalhador divino, a ele pertence. É seu domínio e sua propriedade. Deus criou o homem à sua imagem e semelhança, deu-lhe o mundo para que nele reinasse e, ao expulsá-lo do Paraíso, não lhe retirou o domínio do mundo, mas lhe disse que o teria com o suor de seu rosto. Por todos esses motivos, Deus instituiu, no momento da criação do mundo e do homem, o direito à propriedade privada como fruto legítimo do trabalho. Por isso, de origem divina, ela é um direito natural.

O Estado existe a partir do contrato social. Tem as funções que Hobbes lhe atribui, mas sua principal finalidade é garantir o direito natural de propriedade.

Dessa maneira, a burguesia se vê inteiramente legitimada perante a realeza e a nobreza e, mais do que isso, surge como superior a elas, uma vez que o burguês acredita que é proprietário graças ao seu próprio trabalho, enquanto reis e nobres são parasitas da sociedade.

O burguês não se reconhece apenas como superior social e moralmente aos nobres, mas também como superior aos pobres. De fato, se Deus fez todos os homens iguais, se a todos deu a missão de trabalhar e a todos concedeu o direito à propriedade privada, então, os pobres, isto é, os trabalhadores que não conseguem tornar-se proprietários privados, são culpados por sua condição inferior. São pobres, não são proprietários e são obrigados a trabalhar para outros seja porque são perdulários, gastando o salário em vez de acumulá-lo para adquirir propriedades, ou são preguiçosos e não trabalham o suficiente para conseguir uma propriedade.

Se a função do Estado não é a de criar ou instituir a propriedade privada, mas de garanti-la e defendê-la contra a nobreza e os pobres, qual é o poder do soberano?

A teoria liberal, primeiro com Locke, depois com os realizadores da independência norte-americana e da Revolução Francesa, e finalmente, no século passado, com pensadores como Max Weber, dirão que a função do Estado é tríplice:

1. por meio das leis e do uso legal da violência (exército e polícia), garantir o direito natural de propriedade, sem interferir na vida econômica, pois, não tendo instituído a propriedade, o Estado não tem poder para nela interferir. Donde a idéia de liberalismo, isto é, o Estado deve respeitar a liberdade econômica dos proprietários privados, deixando que façam as regras e as normas das atividades econômicas;

2. visto que os proprietários privados são capazes de estabelecer as regras e as normas da vida econômica ou do mercado, entre o Estado e o indivíduo intercala-se uma esfera social, a sociedade civil, sobre a qual o Estado não tem poder instituinte, mas apenas a função de garantidor e de árbitro dos conflitos nela existentes. O Estado tem a função de arbitrar, por meio das leis e da força, os conflitos da sociedade civil;

3. o Estado tem o direito de legislar, permitir e proibir tudo quanto pertença à esfera da vida pública, mas não tem o direito de intervir sobre a consciência dos governados. O Estado deve garantir a liberdade de consciência, isto é, a liberdade de pensamento de todos os governados e só poderá exercer censura nos casos em que se emitam opiniões sediciosas que ponham em risco o próprio Estado.

Na Inglaterra, o liberalismo se consolida em 1688, com a chamada Revolução Gloriosa. No restante da Europa, será preciso aguardar a Revolução Francesa de 1789. Nos Estados Unidos, consolida-se em 1776, com a luta pela independência.
Liberalismo e fim do Antigo Regime

As ideias políticas liberais têm como pano de fundo a luta contra as monarquias absolutas por direito divino dos reis, derivadas da concepção teocrática do poder. O liberalismo consolida-se com os acontecimentos de 1789, na França, isto é, com a Revolução Francesa, que derrubou o Antigo Regime.

Antigo, em primeiro lugar, porque politicamente teocrático e absolutista. Antigo, em segundo lugar, porque socialmente fundado na idéia de hierarquia divina, natural e social e na organização feudal, baseada no pacto de submissão dos vassalos ou súditos ao senhor.

Com as ideias de direito natural dos indivíduos e de sociedade civil (relações entre indivíduos livres e iguais por natureza), quebra-se a idéia de hierarquia. Com a ideia de contrato social (passagem da ideia de pacto de submissão à de pacto social entre indivíduos livres e iguais) quebra-se a ideia da origem divina do poder e da justiça fundada nas virtudes do bom governante.

O término do Antigo Regime se consuma quando a teoria política consagra a propriedade privada como direito natural dos indivíduos, desfazendo a imagem do rei como marido da terra, senhor dos bens e riquezas do reino, decidindo segundo sua vontade e seu capricho quanto a impostos, tributos e taxas. A propriedade ou é individual e privada, ou é estatal e pública, jamais patrimônio pessoal do monarca. O poder tem a forma de um Estado republicano impessoal porque a decisão sobre impostos, tributos e taxas é tomada por um parlamento – o poder legislativo -, constituído pelos representantes dos proprietários privados.

As teorias políticas liberais afirmam, portanto, que o indivíduo é a origem e o destinatário do poder político, nascido de um contrato social voluntário, no qual os contratantes cedem poderes, mas não cedem sua individualidade (vida, liberdade e propriedade). O indivíduo é o cidadão.

Afirmam também a existência de uma esfera de relações sociais separadas da vida privada e da vida política, a sociedade civil organizada, onde proprietários privados e trabalhadores criam suas organizações de classes, realizam contratos, disputam interesses e posições, sem que o Estado possa aí intervir, a não ser que uma das partes lhe peça para arbitrar os conflitos ou que uma das partes aja de modo que pareça perigoso para a manutenção da própria sociedade.

Afirmam o caráter republicano do poder, isto é, o Estado é o poder público e nele os interesses dos proprietários devem estar representados por meio do parlamento e do poder judiciário, os representantes devendo ser eleitos por seus pares. Quanto ao poder executivo, em caso de monarquia, pode ser hereditário, mas o rei está submetido às leis como os demais súditos. Em caso de democracia, será eleito por voto censitário, isto é, são eleitores ou cidadãos plenos apenas os que possuírem uma certa renda ou riqueza.

O Estado, através da lei e da força, tem o poder para dominar – exigir obediência – e para reprimir – punir o que a lei defina como crime. Seu papel é a garantia da ordem pública, tal como definida pelos proprietários privados e seus representantes.

A cidadania liberal

O Estado liberal se apresenta como república representativa constituída de três poderes: o executivo (encarregado da administração dos negócios e serviços públicos), o legislativo (parlamento encarregado de instituir as leis) e o judiciário (magistraturas de profissionais do direito, encarregados de aplicar as leis). Possui um corpo de militares profissionais que formam as forças armadas – exército e polícia -, encarregadas da ordem interna e da defesa (ou ataque) externo. Possui também um corpo de servidores ou funcionários públicos, que formam a burocracia, encarregada de cumprir as decisões dos três poderes perante os cidadãos.

O Estado liberal julgava inconcebível que um não-proprietário pudesse ocupar um cargo de representante num dos três poderes. Ao afirmar que os cidadãos eram os homens livres e independentes, queriam dizer com isso que eram dependentes e não-livres os que não possuíssem propriedade privada. Estavam excluídos do poder político, portanto, os trabalhadores e as mulheres, isto é, a maioria da sociedade.

Lutas populares intensas, desde o século XVIII até nossos dias, forçaram o Estado liberal a tornar-se uma democracia representativa, ampliando a cidadania política. Com exceção dos Estados Unidos, onde os trabalhadores brancos foram considerados cidadãos desde o século XVIII, nos demais países a cidadania plena e o sufrágio universal só vieram a existir completamente no século XX, como conclusão de um longo processo em que a cidadania foi sendo concedida por etapas.

Não menos espantoso é o fato de que em duas das maiores potências mundiais, Inglaterra e França, as mulheres só alcançaram plena cidadania em 1946, após a Segunda Guerra Mundial. Pode-se avaliar como foi dura, penosa e lenta essa conquista popular, considerando-se que, por exemplo, os negros do sul dos Estados Unidos só se tornaram cidadãos nos anos 60 do século passado. Também é importante lembrar que em países da América Latina, sob a democracia liberal, os índios ficaram excluídos da cidadania e que os negros da África do Sul votaram pela primeira vez em 1994. As lutas indígenas, em nosso continente, e as africanas continuam até nossos dias[i].

Significado político das revoluções

Uma revolução, seja ela burguesa ou popular, possui um significado político da mais alta importância, porque desvenda a estrutura e a organização da sociedade e do Estado. Ela evidencia:

● a divisão social e política, sob a forma de uma polarização entre um alto opressor e um baixo oprimido;

● a percepção do alto pelo baixo da sociedade como um poder que não é natural nem necessário, mas resultado de uma ação humana e, como tal, pode ser derrubado e reconstruído de outra maneira;

● a compreensão de que os agentes sociais são sujeitos políticos e, como tais, dotados de direitos. A consciência dos direitos faz com que os sujeitos sóciopolíticos exijam reconhecimento e garantia de seus direitos pela sociedade e pelo poder político. Eis por que toda revolução culmina numa declaração pública conhecida como Declaração Universal dos Direitos dos Cidadãos;

● pela via da declaração dos direitos, uma revolução repõe a relação entre poder político e justiça social, mas com uma novidade própria do mundo moderno, pois a justiça não depende mais da figura do bom governo do príncipe virtuoso, e sim de instituições públicas que satisfaçam à demanda dos cidadãos ao Estado. Cabe ao novo poder político criar instituições que possam satisfazer e garantir a luta revolucionária por direitos.

Estado de Natureza, contrato social, Estado Civil.

O conceito de Estado de Natureza tem a função de explicar a situação pré-social na qual os indivíduos existem isoladamente. Duas foram as principais concepções do Estado de Natureza:

1. a concepção de Hobbes (no século XVII), segundo a qual, em Estado de Natureza, os indivíduos vivem isolados e em luta permanente, vigorando a guerra de todos contra todos ou “o homem lobo do homem”. Nesse estado, reina o medo e, principalmente, o grande medo: o da morte violenta. Para se protegerem uns dos outros, os humanos inventaram as armas e cercaram as terras que ocupavam. Essas duas atitudes são inúteis, pois sempre haverá alguém mais forte que vencerá o mais fraco e ocupará as terras cercadas. A vida não tem garantias; a posse não tem reconhecimento e, portanto, não existe; a única lei é a força do mais forte, que pode tudo quanto tenha força para conquistar e conservar;
2. a concepção de Rousseau (no século XVIII), segundo a qual, em Estado de Natureza, os indivíduos vivem isolados pelas florestas, sobrevivendo com o que a Natureza lhes dá, desconhecendo lutas e comunicando-se pelo gesto, o grito e o canto, numa língua generosa e benevolente. Esse estado de felicidade original, no qual os humanos existem sob a forma do bom selvagem inocente, termina quando alguém cerca um terreno e diz: “É meu”. A divisão entre o meu e o teu, isto é, a propriedade privada, dá origem ao Estado de Sociedade, que corresponde, agora, ao Estado de Natureza hobbesiano da guerra de todos contra todos.

O Estado de Natureza de Hobbes e o Estado de Sociedade de Rousseau evidenciam uma percepção do social como luta entre fracos e fortes, vigorando a lei da selva ou o poder da força. Para cessar esse estado de vida ameaçador e ameaçado, os humanos decidem passar à sociedade civil, isto é, ao Estado Civil, criando o poder político e as leis.
O pacto ou contrato social
A passagem do Estado de Natureza à sociedade civil se dá por meio de um contrato social, pelo qual os indivíduos renunciam à liberdade natural e à posse natural de bens, riquezas e armas e concordam em transferir a um terceiro – o soberano – o poder para criar e aplicar as leis, tornando-se autoridade política. O contrato social funda a soberania.
Jusnaturalismo
Parte-se do conceito de direito natural: por natureza, todo indivíduo tem direito à vida, ao que é necessário à sobrevivência de seu corpo, e à liberdade. Por natureza, todos são livres, ainda que, por natureza, uns sejam mais fortes e outros mais fracos. Um contrato ou um pacto, dizia a teoria jurídica romana, só tem validade se as partes contratantes forem livres e iguais e se voluntária e livremente derem seu consentimento ao que está sendo pactuado.

A teoria do direito natural garante essas duas condições para validar o contrato social ou o pacto político. Se as partes contratantes possuem os mesmos direitos naturais e são livres, possuem o direito e o poder para transferir a liberdade a um terceiro; e se consentem voluntária e livremente nisso, então dão ao soberano algo que possuem, legitimando o poder da soberania. Assim, por direito natural, os indivíduos formam a vontade livre da sociedade, voluntariamente fazem um pacto ou contrato e transferem ao soberano o poder para dirigi-los.

Para Hobbes, os homens reunidos numa multidão de indivíduos, pelo pacto, passam a constituir um corpo político, uma pessoa artificial criada pela ação humana e que se chama Estado. Para Rousseau, os indivíduos naturais são pessoas morais, que, pelo pacto, criam a vontade geral como corpo moral coletivo ou Estado.
A teoria do direito natural e do contrato evidencia uma inovação de grande importância: o pensamento político já não fala em comunidade, mas em sociedade. A ideia de comunidade pressupõe um grupo humano uno, homogêneo, indiviso, compartilhando os mesmos bens, as mesmas crenças e ideias, os mesmos costumes e possuindo um destino comum. A ideia de sociedade, ao contrário, pressupõe a existência de indivíduos independentes e isolados, dotados de direitos naturais e individuais, que decidem, por um ato voluntário, tornarem-se sócios ou associados para vantagem recíproca e por interesses recíprocos. A comunidade é a ideia de uma coletividade natural ou divina; a sociedade, a de uma coletividade voluntária, histórica e humana.
O Estado
A sociedade civil é o Estado propriamente dito. Trata-se da sociedade vivendo sob o direito civil, isto é, sob as leis promulgadas e aplicadas pelo soberano. Feito o pacto ou o contrato, os contratantes transferiram o direito natural ao soberano e com isso o autorizam a transformá-lo em direito civil ou direito positivo, garantindo a vida, a liberdade e a propriedade privada dos governados. Estes transferiram ao soberano o direito exclusivo ao uso da força e da violência, da vingança contra os crimes, da regulamentação dos contratos econômicos, isto é, a instituição jurídica da propriedade privada, e de outros contratos sociais (como, por exemplo, o casamento civil, a legislação sobre a herança, etc.).
Quem é o soberano? Hobbes e Rousseau diferem na resposta a essa pergunta.

Para Hobbes, o soberano pode ser um rei, um grupo de aristocratas ou uma assembléia democrática. O fundamental não é o número de governantes, mas a determinação de quem possui o poder ou a soberania. Esta pertence de modo absoluto ao Estado, que, por meio das instituições públicas, tem o poder para promulgar e aplicar as leis, definir e garantir a propriedade privada e exigir obediência incondicional dos governados, desde que respeite dois direitos naturais intransferíveis: o direito à vida e à paz, pois foi por eles que o soberano foi criado. O soberano detém a espada e a lei; os governados, a vida e a propriedade dos bens.

Para Rousseau, o soberano é o povo, entendido como vontade geral, pessoa moral coletiva livre e corpo político de cidadãos. Os indivíduos, pelo contrato, criaram-se a si mesmos como povo e é a este que transferem os direitos naturais para que sejam transformados em direitos civis. Assim sendo, o governante não é o soberano, mas o representante da soberania popular. Os indivíduos aceitam perder a liberdade civil; aceitam perder a posse natural para ganhar a individualidade civil, isto é, a cidadania. Enquanto criam a soberania e nela se fazem representar, são cidadãos. Enquanto se submetem às leis e à autoridade do governante que os representa chamam-se súditos. São, pois, cidadãos do Estado e súditos das leis.

sábado, 31 de agosto de 2013

Maquiavel

Antes de “O príncipe”
Embora diferentes e, muitas vezes, contrárias, as obras políticas medievais e renascentistas operam num mundo cristão. Isso significa que, para todas elas, a relação entre política e religião é um dado de que não podem escapar. É verdade que as teorias medievais são teocráticas, enquanto as renascentistas procuram evitar a ideia de que o poder seria uma graça ou um fator divino; no entanto, embora recusem a teocracia, não podem recusar uma outra idéia cristã, qual seja, a de que o poder político só é legítimo se for justo e só será justo se estiver de acordo com a vontade de Deus e a Providência divina. Assim, elementos de teologia continuam presentes nas formulações teóricas da política.

Se deixarmos de lado as diferenças entre medievais e renascentistas e considerarmos suas obras políticas como cristãs, poderemos perceber certos traços comuns a todas elas:

● encontram um fundamento para a política anterior e exterior à própria política. Em outras palavras, para uns, o fundamento da política encontra-se em Deus (seja na vontade divina, que doa o poder aos homens, seja na Providência divina, que favorece o poder de alguns homens); para outros, encontra-se na Natureza, isto é, na ordem natural, que fez o homem um ser naturalmente político; e, para alguns, encontra-se na razão, isto é, na ideia de que existe uma racionalidade que governa o mundo e os homens, torna-os racionais e os faz instituir a vida política. Há, pois, algo – Deus, Natureza ou razão – anterior e exterior à política, servindo de fundamento a ela;

● afirmam que a política é instituição de uma comunidade una e indivisa, cuja finalidade é realizar o bem comum ou justiça. A boa política é feita pela boa comunidade harmoniosa, pacífica e ordeira. Lutas, conflitos e divisões são vistos como perigos, frutos de homens perversos e sediciosos, que devem, a qualquer preço, ser afastados da comunidade e do poder;

● assentam a boa comunidade e a boa política na figura do bom governo, isto é, no príncipe virtuoso e racional, portador da justiça, da harmonia e da indivisão da comunidade;

● classificam os regimes políticos em justos-legítimos e injustos-ilegítimos, colocando a monarquia e a aristocracia hereditárias entre os primeiros e identificando com os segundos o poder obtido por conquista e usurpação, denominando-o tirânico. Este é considerado antinatural, irracional, contrário à vontade de Deus e à justiça, obra de um governante vicioso e perverso.

Em relação à tradição do pensamento político, a obra de Maquiavel é demolidora e revolucionária.
Maquiavélico, maquiavelismo

Estamos acostumados a ouvir as expressões maquiavélico e maquiavelismo. São usadas quando alguém deseja referir-se tanto à política quanto aos políticos, quanto a certas atitudes das pessoas, mesmo quando não ligadas diretamente a uma ação política (fala-se, por exemplo, num comerciante maquiavélico, numa professora maquiavélica, no maquiavelismo de certos jornais, etc.).

Quando ouvimos ou empregamos essas expressões? Sempre que pretendemos julgar a ação ou a conduta de alguém desleal, hipócrita, fingidor, poderosamente malévolo, que brinca com sentimentos e desejos dos outros, mente-lhes, faz a eles promessas que sabe que não cumprirá, usa a boa-fé alheia em seu próprio proveito.

Falamos num “poder maquiavélico” para nos referirmos a um poder que age secretamente nos bastidores, mantendo suas intenções e finalidades desconhecidas para os cidadãos; que afirma que os fins justificam os meios e usa meios imorais, violentos e perversos para conseguir o que quer; que dá as regras do jogo, mas fica às escondidas, esperando que os jogadores causem a si mesmos sua própria ruína e destruição.

Maquiavélico e maquiavelismo fazem pensar em alguém extremamente poderoso e perverso, sedutor e enganador, que sabe levar as pessoas a fazerem exatamente o que ele deseja, mesmo que sejam aniquiladas por isso. Como se nota, maquiavélico e maquiavelismo correspondem àquilo que, em nossa cultura, é considerado diabólico.

Que teria escrito Maquiavel para que gente que nunca leu sua obra e que nem mesmo sabe que existiu, um dia, em Florença, uma pessoa com esse nome, fale em maquiavélico e maquiavelismo?
Se compararmos o pensamento político de Maquiavel com os quatro pontos nos quais resumimos a tradição política, observaremos por onde passa a ruptura maquiavelista:

1. Maquiavel não admite um fundamento anterior e exterior à política (Deus, Natureza ou razão). Toda Cidade, diz ele em O príncipe, está originariamente dividida por dois desejos opostos: o desejo dos grandes de oprimir e comandar e o desejo do povo de não ser oprimido nem comandado. Essa divisão evidencia que a Cidade não é uma comunidade homogênea nascida da vontade divina, da ordem natural ou da razão humana. Na realidade, a Cidade é tecida por lutas internas que a obrigam a instituir um pólo superior que possa unificá-la e dar-lhe identidade. Esse pólo é o poder político. Assim, a política nasce das lutas sociais e é obra da própria sociedade para dar a si mesma unidade e identidade. A política resulta da ação social a partir das divisões sociais;

2. Maquiavel não aceita a idéia da boa comunidade política constituída para o bem comum e a justiça. Como vimos, o ponto de partida da política para ele é a divisão social entre os grandes e o povo. A sociedade é originariamente dividida e jamais pode ser vista como uma comunidade una, indivisa, homogênea, voltada para o bem comum. Essa imagem da unidade e da indivisão, diz Maquiavel, é uma máscara com que os grandes recobrem a realidade social para enganar, oprimir e comandar o povo, como se os interesses dos grandes e dos populares fossem os mesmos e todos fossem irmãos e iguais numa bela comunidade.

A finalidade política não é, como diziam os pensadores gregos, romanos e cristãos, a justiça e o bem comum, mas, como sempre souberam os políticos, a tomada e manutenção do poder. O verdadeiro príncipe é aquele que sabe tomar e conservar o poder e que, para isso, jamais deve aliar-se aos grandes, pois estes são seus rivais e querem o poder para si, mas deve aliar-se ao povo, que espera do governante a imposição de limites ao desejo de opressão e mando dos grandes. A política não é a lógica racional da justiça e da ética, mas a lógica da força transformada em lógica do poder e da lei;

3. Maquiavel recusa a figura do bom governo encarnada no príncipe virtuoso, portador das virtudes cristãs, das virtudes morais e das virtudes principescas. O príncipe precisa ter virtu, mas esta é propriamente política, referindo-se às qualidades do dirigente para tomar e manter o poder, mesmo que para isso deva usar a violência, a mentira, a astúcia e a força. A tradição afirmava que o governante devia ser amado e respeitado pelos governados. Maquiavel afirma que o príncipe não pode ser odiado.

Isso significa, em primeiro lugar, que deve ser respeitado e temido – o que só é possível se não for odiado. Significa, em segundo lugar, que não precisa ser amado, pois isto o faria um pai para a sociedade e, sabemos, um pai conhece apenas um tipo de poder, o despótico. A virtude política do príncipe aparecerá na qualidade das instituições que soube criar e manter e na capacidade que tiver para enfrentar as ocasiões adversas, isto é, a fortuna ou sorte;

4. Maquiavel não aceita a divisão clássica dos três regimes políticos (monarquia, aristocracia, democracia) e suas formas corruptas ou ilegítimas (tirania, oligarquia, demagogia/anarquia), como não aceita que o regime legítimo seja o hereditário e o ilegítimo, o usurpado por conquista. Qualquer regime político – tenha a forma que tiver e tenha a origem que tiver – poderá ser legítimo ou ilegítimo. O critério de avaliação, ou o valor que mede a legitimidade e a ilegitimidade, é a liberdade.

Todo regime político em que o poderio de opressão e comando dos grandes é maior do que o poder do príncipe e esmaga o povo é ilegítimo; caso contrário, é legítimo. Assim, legitimidade e ilegitimidade dependem do modo como as lutas sociais encontram respostas políticas capazes de garantir o único princípio que rege a política: o poder do príncipe deve ser superior ao dos grandes e estar a serviço do povo. O príncipe pode ser monarca hereditário ou por conquista; pode ser todo um povo que conquista, pela força, o poder. Qualquer desses regimes políticos será legítimo se for uma república e não despotismo ou tirania, isto é, só é legítimo o regime no qual o poder não está a serviço dos desejos e interesses de um particular ou de um grupo de particulares.

Dissemos que a tradição grega tornara ética e política inseparáveis, que a tradição romana colocara essa identidade da ética e da política na pessoa virtuosa do governante e que a tradição cristã transformara a pessoa política num corpo místico sacralizado que encarnava a vontade de Deus e a comunidade humana. Hereditariedade, personalidade e virtude formavam o centro da política, orientada pela idéia de justiça e bem comum. Esse conjunto de idéias e imagens é demolido por Maquiavel. Um dos aspectos da concepção maquiavelista que melhor revela essa demolição encontra-se na figura do príncipe virtuoso.

Quando estudamos a ética, vimos que a questão central posta pelos filósofos sempre foi: O que está e o que não está em nosso poder? Vimos também que “estar em nosso poder” significava a ação voluntária racional livre, própria da virtude, e “não estar em nosso poder” significava o conjunto de circunstâncias externas que agem sobre nós e determinam nossa vontade e nossa ação. Vimos, ainda, que esse conjunto de circunstâncias que não dependem de nós nem de nossa vontade foi chamado pela tradição filosófica de fortuna. A oposição virtude-fortuna jamais abandonou a ética e, como esta surgia inseparável da política, a mesma oposição se fez presente no pensamento político. Neste, o governante virtuoso é aquele cujas virtudes não sucumbem ao poderio da caprichosa e inconstante fortuna.

Maquiavel retoma essa oposição, mas lhe imprime um sentido inteiramente novo. A virtu do príncipe não consiste num conjunto fixo de qualidades morais que ele oporá à fortuna, lutando contra ela. A virtu é a capacidade do príncipe para ser flexível às circunstâncias, mudando com elas para agarrar e dominar a fortuna. Em outras palavras, um príncipe que agir sempre da mesma maneira e de acordo com os mesmos princípios em todas as circunstâncias fracassará e não terá virtu alguma.

Para ser senhor da sorte ou das circunstâncias, deve mudar com elas e, como elas, ser volúvel e inconstante, pois somente assim saberá agarrá-las e vencê-las. Em certas circunstâncias, deverá ser cruel, em outras, generoso; em certas ocasiões deverá mentir, em outras, ser honrado; em certos momentos, deverá ceder à vontade dos outros, em algumas, ser inflexível. O ethos ou caráter do príncipe deve variar com as circunstâncias, para que sempre seja senhor delas.

A fortuna, diz Maquiavel, é sempre favorável a quem desejar agarrá-la. Oferece-se como um presente a todo aquele que tiver ousadia para dobrá-la e vencê-la. Assim, em lugar da tradicional oposição entre a constância do caráter virtuoso e a inconstância da fortuna, Maquiavel introduz a virtude política como astúcia e capacidade para adaptar-se às circunstâncias e aos tempos, como ousadia para agarrar a boa ocasião e força para não ser arrastado pelas más.

A lógica política nada tem a ver com as virtudes éticas dos indivíduos em sua vida privada. O que poderia ser imoral do ponto de vista da ética privada pode ser virtu política. Em outras palavras, Maquiavel inaugura a ideia de valores políticos medidos pela eficácia prática e pela utilidade social, afastados dos padrões que regulam a moralidade privada dos indivíduos. O ethos político e o ethos moral são diferentes e não há fraqueza política maior do que o moralismo que mascara a lógica real do poder.

Por ter inaugurado a teoria moderna da lógica do poder como independente da religião, da ética e da ordem natural, Maquiavel só poderia ter sido visto como “maquiavélico”. As palavras maquiavélico e maquiavelismo, criadas no século XVI e conservadas até hoje, exprimem o medo que se tem da política quando esta é simplesmente política, isto é, sem as máscaras da religião, da moral, da razão e da Natureza.

Para o Ocidente cristão do século XVI, o príncipe maquiavelista, não sendo o bom governo sob Deus e a razão, só poderia ser diabólico. À sacralização do poder, feita pela teologia política, só poderia opor-se a demonização. É essa imagem satânica da política como ação social puramente humana que os termos maquiavélico e maquiavelismo designam.

terça-feira, 27 de agosto de 2013

O poder teológico-político: o cristianismo

Para compreendermos as teorias políticas cristãs precisamos ter em mente as duas tradições que o cristianismo recebe como herança e sobre as quais elaborará suas próprias ideias: a hebraica e a romana.
Os hebreus, embora tenham conhecido várias modalidades de governo, deram ao poder, sob qualquer forma em que fosse exercido, uma marca fundamental irrevogável: o caráter teocrático.
Do lado romano no período em que o cristianismo se expande e se encontra em vias de tornar-se religião oficial do Império Romano, o príncipe já se encontra investido de novos poderes. Sendo Roma senhora do Universo, o imperador romano tenderá a ser visto como senhor do Universo, ocupando o topo da hierarquia do mundo, em cujo centro está Roma, a Cidade Eterna.
A elaboração da teoria política cristã como teologia política resultará da apropriação dessa dupla herança pelo poder eclesiástico.

A instituição eclesiástica

O cristianismo, diferentemente da maioria das religiões antigas, não surge como religião nacional ou de um povo ou de um Estado determinados. No entanto, ele deveria ter sido uma religião nacional, uma vez que Jesus se apresentava como o messias esperado pelo povo judaico. Em outras palavras, se Jesus tivesse sido vitorioso, teria sido capitão, rei e sacerdote, pois era assim que o messias havia sido imaginado e esperado. Derrotado pela monarquia judaica, que usara o poder do Império Romano para julgá-lo e condená-lo, Jesus ressurge (ressuscita) como figura puramente espiritual, rei de um reino que não é deste mundo. O cristianismo se constitui, portanto, à margem do poder político e contra ele, pois os “reinos deste mundo” serão, pouco a pouco, vistos como obra de Satanás para a perdição do gênero humano.
O poder imperial romano criara, sem o saber, a ideia do homem universal, sem pátria e sem comunidade política. O cristianismo será uma seita religiosa dirigida aos seres humanos em geral, com a promessa de salvação individual eterna. À ideia política da lei escrita e codificada em regras objetivas contrapõe a ideia de lei moral invisível (o dever à obediência a Deus e o amor ao próximo), inscrita pelo Pai no coração de cada um.
A ekklesia organiza-se a partir de uma autoridade constituída pelo próprio Cristo quando, na última ceia, autoriza os apóstolos a celebrar a eucaristia (o pão e o vinho como símbolos do corpo e sangue do messias) e, no dia de Pentecostes, ordena-lhes que preguem ao mundo inteiro a nova lei e a Boa Nova (o Evangelho).

O poder eclesiástico

O poderio da Igreja cresce à medida que se esfacela e desmorona o Império Romano. Dois motivos levam a esse crescimento: em primeiro lugar, a expansão do próprio cristianismo pela obra da evangelização dos povos, realizada pelos padres nos territórios do Império Romano e para além deles; em segundo lugar, porque o esfacelamento de Roma, do qual resultará, nos séculos seguintes, a formação sócio-econômica conhecida como feudalismo, fragmentou a propriedade da terra (anteriormente, tida como patrimônio de Roma e do imperador) e fez surgirem pequenos poderes locais isolados, de sorte que o único poder centralizado e homogeneamente organizado era o da Igreja.
A Igreja (tanto em Roma quanto em Bizâncio, tanto no Ocidente quanto no Oriente) detém três poderes crescentes, à medida que o Império decai: 1. o poder religioso de ligar os homens a Deus e dele desligá-los; 2. o poder econômico decorrente de grandes propriedades fundiárias acumuladas no correr de vários séculos, seja porque os nobres do Império, ao se converterem, doaram suas terras à instituição eclesiástica, seja porque esta recebera terras como recompensa por serviços prestados aos imperadores; 3. o poder intelectual, porque se torna guardiã e intérprete única dos textos sagrados – a Bíblia – e de todos os textos produzidos pela cultura greco-romana – direito, filosofia, literatura, teatro, manuais de técnicas, etc. Saber ler e escrever tornou-se privilégio exclusivo da instituição eclesiástica. Será a Igreja, portanto, a formuladora das teorias políticas cristãs para os reinos e impérios cristãos. Essas teorias elaborarão a concepção teológico-política do poder, isto é, o vínculo interno entre religião e política.

Dupla investidura

As teorias teológico-políticas foram elaboradas para resolver dois conflitos que atravessam toda a Idade Média: o conflito entre o papa e o imperador, de um lado, e entre o imperador e as assembleias dos barões, de outro. O conflito papa-imperador é consequência da concepção teocrática do poder. Se Deus escolhe quem deverá representá-lo, dando o poder ao escolhido, quem é este: o papa ou o imperador?
A primeira solução encontrada, após a querela das investiduras, foi trazida pelos juristas de Carlos Magno, com a teoria da dupla investidura: o imperador é investido no poder temporal pelo papa que o unge e o coroa; o papa recebe do imperador a investidura da espada, isto é, o imperador jura defender e proteger a Igreja, sob a condição de que esta nunca interfira nos assuntos administrativos e militares do império. Assim, o imperador depende do papa para receber o poder político, mas o papa depende do imperador para manter o poder eclesiástico.
O conflito entre o imperador e as assembleias dos barões e reis diz respeito à escolha do imperador. Este conflito revela o problema de uma política fundada em duas fontes antagônicas. De fato, barões e reis invocam a chamada Lei Régia Romana, segundo a qual o governante recebe do povo o poder, sendo, portanto, ocupante eleito do poder. Barões e reis afirmam que são os instituidores do imperador. Este, porém, invoca a Bíblia e a origem teocrática do poder, afirmando que seu poder não vem dos barões e reis, mas de Deus.

A solução será trazida pela teoria que distingue entre eleição e unção. O imperador, de fato, é eleito pelos pares para o cargo, mas só terá o poder através da unção com óleos santos – afirma-se que é ungido com o mesmo óleo que ungiu Davi e Salomão – e quem unge o imperador é a Igreja, isto é, o papa.

Os dois corpos do rei


Como se observa, a teoria da dupla investidura e da distinção entre eleição e unção deixa o imperador à mercê do papa. Para fortalecer o imperador contra o papa, os reis e os barões, é elaborada uma teoria, que, mais tarde, sustentará as teorias da monarquia absoluta por direito divino. Trata-se da teologia política dos dois corpos do rei (isto é, do imperador).

Um rei-pela-graça-de-Deus é a imitação de Jesus Cristo. Jesus possui duas naturezas: a humana, mortal, e a mística ou divina, imortal. Como Jesus, o rei tem dois corpos: um corpo humano, que nasce, vive, adoece, envelhece e morre, e um corpo místico, perene e imortal, seu corpo político. O corpo político do rei não nasce, nem adoece, envelhece ou morre. Por isso, ninguém, a não ser Deus, pode lhe dar esse corpo, e ninguém, a não ser Deus, pode tirar-lhe tal corpo. Não o recebe nem dos barões e reis, nem do papa, e não pode ser-lhe tirado pelos reis, pelos barões ou pelo papa.

sábado, 17 de agosto de 2013

As filosofias políticas

As filosofia políticas
A noção de justiça fora, inicialmente, elaborada em termos míticos com base em três figuras principais:
 - thémis, a lei divina trazida pela deusa Thémis, que institui a ordem do Universo;
 - kósmos, a ordem universal estabelecida pela lei divina;
 - E diké, a justiça que a deusa Diké institui entre as coisas e entre os homens, no respeito as leis divinas e à ordem cósmica.
A ideia de justiça
A ideia de justiça se refere, portanto, a uma ordem divina e natural, que regula, julga e pune as ações das coisas e dos seres humanos.
A justiça é a lei e a ordem do mundo, isto é, da natureza ou physis. Lei (nómos), natureza (physis) e a ordem (kósmos) constituem assim o campo da ideia de justiça.
Política x mito
A invenção da política exigiu que as explicações míticas fossem afastadas – thémis e diké deixaram de ser vistas como duas deusas que impunham ordem e leis ao mundo e aos seres humanos.
Justo é o que segue a ordem natural e respeita a lei natural.
Posição dos sofistas
Para os sofistas, a polis nasce por convenção entre os seres humanos quando percebem que lhes é mais útil a vida em comum do que em isolamento. Convencionam regras de convivência que se tornam leis, nomos. A justiça é o consenso quanto às leis e a finalidade da política é criar e preservar esse consenso.
A finalidade da política era a justiça entendida como concórdia, conseguida na discussão pública de opiniões e interesses contrários. O debate dos opostos, a exposição persuasiva dos argumentos antagônicos, deviam levar à vitória do interesse mais bem argumentado, aprovado pelo voto da maioria.
Posição de Platão
Para Platão, os seres humanos e a polis possuem a mesma estrutura. Os humanos são dotados de três almas ou três princípios de atividade: a alma concupiscente ou desejante (situada no ventre), que busca satisfação dos apetites do corpo, tanto os necessários à sobrevivência, quanto os que, simplesmente, causam prazer; a alma irascível ou colérica (situada no peito), que defende o corpo contra as agressões do meio ambiente e de outros humanos, reagindo à dor na proteção de nossa vida; e a alma racional ou intelectual (situada na cabeça), que se dedica ao conhecimento, tanto sob a forma de percepções e opiniões vindas da experiência, quanto sob a forma de ideias verdadeiras contempladas pelo puro pensamento.
Também a polis possui uma estrutura tripartite, formada por três classes sociais: a classe econômica dos proprietários de terra, artesãos e comerciantes, que garante a sobrevivência material da cidade; a classe militar dos guerreiros, responsável pela defesa da cidade; e a classe dos magistrados, que garante o governo da cidade sob as leis.
Um homem, diz Platão, é injusto quando a alma concupiscente (os apetites e prazeres) é mais forte do que as outras duas, dominando-as. Também é injusto quando a alma irascível (a agressividade) é mais poderosa do que a racional, dominando-a. O que é, pois, o homem justo? Aquele cuja alma racional (pensamento e vontade) é mais forte do que as outras duas almas, impondo à concupiscente a virtude da temperança ou moderação, e à irascível, a virtude da coragem, que deve controlar a concupiscência. O homem justo é o homem virtuoso; a virtude, domínio racional sobre o desejo e a cólera. A justiça ética é a hierarquia das almas, a superior dominando as inferiores.
Posição de Aristóteles
Para determinar o que é a justiça, diz ele, precisamos distinguir dois tipos de bens: os partilháveis e os participáveis. Um bem é partilhável quando é uma quantidade que pode ser dividida e distribuída – a riqueza é um bem partilhável. Um bem é participável quando é uma qualidade indivisível, que não pode ser dividida nem distribuída, podendo apenas ser participada – o poder político é um bem participável. Existem, pois, dois tipos de justiça na Cidade: a distributiva, referente aos bens econômicos; e a participativa, referente ao poder político. A Cidade justa saberá distingui-las e realizar ambas.
Ética e política
Se a política tem como finalidade a vida justa e feliz, isto é, a vida propriamente humana digna de seres livres, então é inseparável da ética.
Platão identificara a justiça no indivíduo e a justiça na polis. Aristóteles subordina o bem do indivíduo ao Bem Supremo da polis. Esse vínculo interno entre ética e política significava que as qualidades das leis e do poder dependiam das qualidades morais dos cidadãos e vice-versa, das qualidades da Cidade dependiam as virtudes dos cidadãos. Somente na Cidade boa e justa os homens poderiam ser bons e justos; e somente homens bons e justos são capazes de instituir uma Cidade boa e justa.
Romanos: a construção do príncipe
Os pensadores romanos viram-se entre duas teorias: a platônica, que pretendia chegar à política legítima e justa educando virtuosamente os governantes; e a aristotélica, que pretendia chegar à política legítima e justa propondo qualidades positivas para as instituições da Cidade, das quais dependiam as virtudes dos cidadãos. Entre as duas, os romanos escolheram a platônica, mas tenderam a dar menor importância à organização política da sociedade (as três classes platônicas) e maior importância à formação do príncipe virtuoso.
O príncipe, como todo ser humano, é passional e racional, porém, diferentemente dos outros humanos, não poderá ceder às paixões, mas apenas à razão. Por isso, deve ser educado para possuir um conjunto de virtudes que são próprias do governante justo, ou seja, as virtudes principescas. O verdadeiro vir (varão, em latim) possui três séries de virtudes ou qualidades morais. A primeira delas é comum a todo homem virtuoso, sendo constituída pelas quatro virtudes cardeais: sabedoria ou prudência, justiça ou eqüidade, coragem e temperança ou moderação. A segunda série constitui o conjunto das virtudes propriamente principescas: honradez ou disposição para manter os princípios em todas as circunstâncias, magnanimidade ou clemência, isto é, capacidade para dar punição justa e para perdoar, e liberalidade, isto é, disposição para colocar sua riqueza a serviço do povo. Finalmente, a terceira série de virtudes refere-se aos objetivos que devem ser almejados pelo príncipe virtuoso: honra, glória e fama.



segunda-feira, 5 de agosto de 2013

A vida política

A Invenção da política
O Surgimento da Cidade
- Quando se afirma que os gregos e romanos inventaram a política, não se quer dizer que, antes deles, não existiam o poder e a autoridade, mas que inventaram o poder e a autoridade políticos propriamente ditos, ou seja, que desfizeram as características que havia anteriormente, de poder despótico ou patriarcal exercido pelo chefe de família sobre um conjunto de famílias a ele ligadas por laços de dependência econômica e militar, por alianças matrimoniais, numa relação pessoal em que o chefe garantia proteção e os súditos ofereciam lealdade e obediência.

- Apesar das diferenças históricas na formação da Grécia e de Roma, há três aspectos comuns a ambas e decisivos para a invenção da política. O primeiro é a forma da propriedade da terra; o segundo, o fenômeno da urbanização; e o terceiro, o modo de divisão territorial das cidades.

- Como a propriedade da terra não pertencia à aldeia nem ao rei, mas as famílias independentes, e como as guerras ampliavam o contingente de escravos, formou-se na Grécia e em Roma uma camada pobre de camponeses que migraram para as aldeias, ali se estabeleceram como artesãos e comerciantes, prosperaram, transformaram as aldeias em centros urbanos e passaram a disputar o direito ao poder com as grandes famílias agrárias. Uma luta de classes perpassa a história grega e romana exigindo solução.
A urbanização significou uma complexa rede de relações econômicas e sociais que colocava em confronto não só proprietários agrários, de um lado, e artesãos e comerciantes, de outro, mas também a massa de assalariados da população urbana, os não proprietários, genericamente chamados de “os pobres”.
A luta de classes incluía, assim, lutas entre os ricos e lutas entre ricos e pobres. Tais lutas eram decorrentes do fato de que todos os indivíduos participavam das guerras externas, tanto para a expansão territorial, como para a defesa de sua cidade, formando as milícias dos nativos da cidade.

- Os primeiros chefes políticos também conhecidos como legisladores, introduziram uma divisão territorial das cidades que visava a diminuir o poderio das famílias ricas agrárias, dos artesãos e comerciantes urbanos ricos e satisfazer a reivindicação dos camponeses pobres e dos artesãos e assalariados urbanos pobres. Em Atenas, por exemplo, a pólis foi subdividida em unidades sociopolíticas denominadas demos; em Roma, em tribus.
Quem nascesse num demos ou numa tribus, independentemente de sua situação econômica, tinha assegurado o direito de participar das decisões da cidade. No caso de Atenas, todos os naturais do demos tinham o direito de participar diretamente do poder, donde o regime ser uma democracia.
Em Roma, os não proprietários ou os pobres formavam a plebe, que participavam indiretamente do poder porque tinha o direito de eleger um representante – o tribuno da plebe – para defender e garantir os interesses plebeus junto aos interesses e privilégios dos que participavam diretamente do poder, os patrícios, que constituíam o populus romanus. O regime político romano era, assim, uma oligarquia.

Os Principais Traços da Invenção da Política

● separaram a autoridade pessoal privada do chefe de família – senhorio patriarcal e patrimonial – do poder impessoal público, pertencente à coletividade; separaram privado e público e impediram a identificação do poder político com a pessoa do governante;
● separaram autoridade militar do poder civil, subordinando a primeira ao segundo. Isso não significa que em certos casos, como em Esparta e Roma, o poder político não fosse também um poder militar, mas sim que as ações militares deviam ser, primeiro, discutidas e aprovadas pela autoridade política (as assembleias, em Esparta; o Senado, em Roma) e só depois realizadas.
● separaram autoridade mágico-religiosa e poder temporal laico, impedindo tanto a divinização dos governantes quanto sua transformação em sumos sacerdotes.
● criaram a ideia e a prática da lei como expressão de uma vontade coletiva e pública, definidora dos direitos e deveres para todos os cidadãos, impedindo que fosse confundida com a vontade pessoal de um governante
● criaram instituições públicas para aplicação das leis e garantia dos direitos, isto é, os tribunais e os magistrados;
● criaram a instituição do erário publico ou do fundo público, isto é, dos bens e recursos que pertencem à sociedade e são por ela administrados por meio de taxas, impostos e tributos, impedindo a concentração da propriedade e da riqueza nas mãos dos dirigentes;
● criaram o espaço político ou espaço público – a Assembleia grega e o Senado romano -, no qual os que possuíam direitos iguais de cidadania discutiam suas opiniões, defendiam seus interesses, deliberavam em conjunto e decidiam por meio do voto, podendo, também pelo voto, revogar uma decisão tomada. É esse o coração da invenção política. De fato, a marca do poder despótico eram deliberação e a decisão a portas fechadas. A política, ao contrário, introduz a prática da publicidade, a exigência de que a sociedade seja informada, conheça as deliberações e participe da tomada de decisão.

O Significado da Invenção da Política

Para responder às diferentes formas assumidas pelas lutas de classes, a política é inventada de um modo que, a cada solução encontrada, um novo conflito ou uma nova luta podem surgir, exigindo novas soluções. Em lugar de reprimir os conflitos pelo uso da força e da violência das armas, a política aparece como trabalho legítimo dos conflitos, de tal modo que o fracasso nesse trabalho é a causa do uso da força e da violência.
A democracia ateniense e as oligarquias de Esparta e da República romana fundaram a ideia e a prática da política na cultura ocidental. Eis por que os historiadores gregos, quando a Grécia caiu sob o domínio do império de Alexandre da Macedônia, e os historiadores romanos, quando Roma sucumbiu ao domínio do império dos césares, falaram em corrupção e decadência da política: para eles, o desaparecimento da pólis e da res publica significava o retorno ao despotismo e o fim da vida política propriamente dita.

A sociedade contra o Estado


Para regular os conflitos, determinar limites às lutas, garantir que os ricos conservem suas riquezas e os pobres aceitem sua pobreza, surge uma chefia que, como vimos, pode tomar duas direções: ou o chefe se torna senhor das terras, armas e deuses e transforma sua vontade em lei, ou o poder é exercido por uma parte da sociedade – os cidadãos -, através de práticas e instituições públicas fundadas na lei e no direito como expressão da vontade coletiva. Nos dois casos, surge o Estado como poder separado da sociedade e encarregado de dirigi-la, comandá-la, arbitrar os conflitos e usar a força. Há, porém, um terceiro caminho.

quinta-feira, 9 de maio de 2013

MODOS DE PRODUÇÃO II: A HISTÓRIA DE TRANSFORMAÇÃO DA SOCIEDADE


É a maneira pela qual a sociedade produz seus bens e serviços, como os utiliza e como os distribui. Também é chamado de sistema econômico.
Modo de Produção = Forças Produtivas + Relações de Produção
       Toda sociedade tem uma forma de produção;
       É constituída por fatores dinâmicos que mudam constantemente;
       As mudanças acarretam rupturas nos modos de produção.
Principais modos de produção:
       Comunal, primitivo;
       Escravista;
       Asiático;
       Feudal;
       Capitalista;
       Socialista
Alguns desses modos de produção podem existir ao mesmo tempo ou podem ocorrer em épocas e locais diferentes, numa determinada sociedade.

Modos de Produção Pré –Capitalistas
Quando se define uma sociedade a partir de seu modo de produção, não é necessário dizer que ele é o único e sim que é o mais importante.

Modo de Produção Comunal Primitivo

       Os seres humanos viviam em grupos nômades e dependiam exclusivamente dos recursos naturais da região;
       Sobreviviam graças à coleta e ao extrativismo;
       As pessoas deixaram de ser nômades, começaram a cultivar a terra (por volta 10000 a.C) e passaram a se fixar em determinadas regiões (cultivando frutas e legumes e ainda criando animais);
       As pessoas trabalhavam em estreita cooperação. A terra era o principal meio de produção;
       Não existia a idéia de propriedade privada e não havia oposição entre proprietários e trabalhadores;
       A comunidade primitiva foi a primeira forma de organização humana.

Modo Asiático de Produção

       Predominou na índia e no Egito da antiguidade bem como civilizações pré-colombianas como incas, maias e astecas;
       Sociedades fechadas, equipadas com Estado forte e uma burocracia eficiente;
       Todas as forças de trabalho pertenciam ao Estado, encarnado na figura do Imperador.
       O grupo mais privilegiado era o dos sacerdotes, nobres e guerreiros;
       O grupo mais poderoso era o dos administradores públicos que atuavam em nome do Estado.
       No entanto, sucumbiram a seus próprios excessos -  luxo e desperdícios das camadas superiores;
       Invasões estrangeiras – incas e astecas desapareceram.


Modo de Produção Escravista

·         Os meios de produção e os escravos eram de propriedade do senhor.
·         O escravo era considerado um objeto, instrumento;
·         As relações de produção eram de domínio e sujeição.
·         O senhor era dono dos portadores da força de trabalho, dos meios de produção e do produto do trabalho.;
·         Exigia um controle rígido dos escravos dominados e regras para regular a ordem social;
·         Necessidade que surgisse o Estado para garantir os interesses dos senhores;
·         Sociedades: a grega e a romana da antiguidade clássica.
·         A economia escravista era basicamente agrária;
·         Nas cidades o desenvolvimento intelectual era privilégio dos cidadãos livres.
·         Na Grécia o trabalho manual era desprezado;
·         A sociedade romana repetiu esse modelo;
·         Nos dois casos, foi preciso manter uma enorme exercito como máquina de guerra, para invadir e conquistar muitos povos a fim e conseguir mais riquezas.


Modo de Produção Feudal

·         Predominou na Europa;
·         Nas cidades-estado italianas como Veneza, Florença, e da península ibérica de Portugal e Espanha, onde passaram quase toda Idade Média sob o domínio mulçumano;
·         Estruturou-se sob a divisão entre senhores e servos;
·         As relações baseavam-se na propriedade do senhor sobre a terra e no trabalho agrícola do servo;
·         Os servos não viviam como escravos, eles tinham direito de cultivar um pedaço de terra cedida pelo senhor desde que, em troca, pagassem a ele impostos e rendas. Eram obrigados a trabalhar nas terras do senhor sem nada receber, sistema conhecido como corveia. A terra era apenas para usufruto.
·         Os senhores tinham o poder econômico e político, portanto faziam as leis e obrigavam os servos  a cumpri-las;
·         Baseavam-se no campo pouco importando as cidades.
·         Os nobres e bispos mantinham-se muitos bem protegidos pelos seus próprios exércitos e gozavam de considerável independência política em relação ao rei;

Queda do feudalismo

       Guerras prolongadas e epidemias.
       Surgimento de novas cidades e o incremento da produção manufatureira para atender às necessidades crescentes da população urbana;
       Origem a uma nova classe social: a burguesia mercantil;
       Choque entre  a burguesia a  nobreza feudal;
       Os servos abandonaram suas antigas aldeias feudais;
       Sucessivas revoltas camponesas;
       Crescimento do comércio estimulou a populações a estabelecer seus próprios tribunais, suas leis e seus próprios sistemas de impostos.
       Com a necessidade de um novo tipo de sociedade uma nova forma de organização estava criada: o modo capitalista de produção