domingo, 23 de março de 2014

Ética e ciência

A genética moderna conferiu aos seres humanos um grande poder sobre a hereditariedade, trazendo técnicas para conhecer os genes das espécies vegetais e animais, para decifrar as mensagens químicas cifradas das moléculas gênicas e até para modificar genótipos individuais. 
A biologia molecular, descobrindo a origem da vida, abalou os alicerces dos mitos, das religiões, da sabedoria tradicional e dos valores humanos. 
A responsabilidade moral e os limites do conhecimento genético contemporâneo
Os conhecimentos desenvolvidos nessa área do saber, ainda que imensos e cientificamente revolucionários, são ainda muito pequenos e incertos. No entanto, precipitadamente, já têm propiciado ações sobre espécies vegetais e animais e sobre o homem, sem que se possa prever os efeitos futuros dessas intervenções. O chamado caso da “doença da bolha” pode servir de exemplo aqui. Os que sofrem dessa doença possuem graves problemas imunológicos, isto é, seu organismo não produz glóbulos brancos que sirvam de anticorpos que o proteja de agressões do meio ambiente. Para conservar em vida essas pessoas, elas são confinadas desde o nascimento em ambientes de assepsia perfeita e completa (a “bolha”) e não entram em contato direto com nenhuma outra forma de vida, nem mesmo humana. Tem sido considerado um sucesso um experimento genético realizado para alterar as células das crianças nascidas com esse terrível problema, de maneira que possam fabricar os glóbulos brancos ou leucócitos e levar uma vida normal. Infelizmente, algumas dessas crianças agora estão morrendo pelo problema contrário, isto é, por leucemia ou fabricação excessiva de leucócitos.
Os cientistas que pretendem sequenciar o genoma humano acreditam chegar a um conhecimento que nos livre de dores e sofrimentos, cure doenças, prolongue a juventude e adie a morte, graças ao aperfeiçoamento da própria espécie humana com o controle sobre a hereditariedade.
Um dos problemas éticos mais graves trazidos pela genética encontra-se na chamada “sondagem gênica”, por meio da qual se pretende detectar, por exemplo, pessoas que teriam genes que as predisporiam para a criminalidade ou as que teriam genes que as predisporiam para certas doenças ligadas a certos tipos de trabalho.
Um segundo problema, derivado do anterior, é trazido pela chamada “terapia gênica germinal”, isto é, que intervém em células humanas da reprodução ou células germinais com a finalidade de curar doenças genéticas ou corrigir “defeitos genéticos”. 
Problema científico: a intervenção sobre células reprodutoras para curar doenças genéticas não pode ser feita sem que se tenha uma clara e perfeita definição do que é a doença. Ora, a genética ainda não possui essa definição. 
Problema moral: O da eugenia, isto é, a velha ideia de “pureza da raça” ou de purificação da espécie, em nome da qual não só seriam feitas intervenções e modificações nas células reprodutoras, mas também se justificaria a eliminação dos “impuros” ou dos “inferiores” ou dos “defeituosos”. 

sábado, 8 de março de 2014

A Liberdade

A liberdade
A liberdade como problema
O que está inteiramente em nosso poder e o que depende inteiramente de causas e forças exteriores que agem sobre nós?
Podemos mais do que o mundo ou este pode mais do que nossa liberdade?
Até onde se estende o poder de nossa vontade, de nosso desejo, de nossa consciência?
A liberdade como questão filosófica
Par necessidade-liberdade:
-          A realidade é feita de situações adversas e opressoras, contra as quais nada podemos fazer, pois são necessárias;
-          Necessidade é o termo empregado para referir-se ao todo da realidade, existente em si e por si, que age sem nós e nos insere em sua rede de causas e efeitos, condições e consequências;
-          Fatalidade é o termo usado quando pensamos em forças transcendentes superiores às nossas e que nos governam, queiramos ou não;
-          Determinismo é o termo empregado para referir-se às relações causais necessárias que regem a realidade conhecida e controlada pela ciência.
Par contingência-liberdade:
- Contingência ou acaso significam que a realidade é imprevisível e mutável, impossibilitando deliberação e decisão racionais, definidoras da liberdade.
Exemplo de oposição entre necessidade e liberdade
Não escolhi nascer numa determinada época, num determinado país, numa determinada família, com um corpo determinado. As condições de meu nascimento e de minha vida fazem de mim aquilo que sou e minhas ações, meus desejos, meus sentimentos, minhas intenções, minhas condutas resultam dessas condições, nada restando a mim senão obedecê-las. Como dizer que sou livre e responsável?
Exemplo de oposição entre contingência e liberdade
Quando minha mãe estava grávida de mim, houve um acidente sanitário, provocando uma epidemia. Minha mãe adoeceu. Nasci com problemas de visão. Foi por acaso que a gravidez de minha mãe coincidiu com o acaso da epidemia: por acaso, ela adoeceu; por acaso, nasci com distúrbios visuais. Tendo tais distúrbios, preciso de cuidados médicos especiais. No entanto, na época em que nasci, o governo de meu país instituiu um plano econômico de redução de empregos e privatização do serviço público de saúde. Meu pai e minha mãe ficaram desempregados e não podiam contar com o serviço de saúde para meu tratamento. Tivesse eu nascido em outra ocasião, talvez pudesse ter sido curada de meus problemas visuais.
Três grandes concepções da liberdade
Primeira concepção da liberdade
 - A primeira grande teoria filosófica da liberdade é exposta por Aristóteles em sua obra Ética a Nicômaco e, com variantes, permanece através dos séculos, chegando até o século XX, quando foi retomada por Sartre.
- Nessa concepção, a liberdade se opõe ao que é condicionado externamente (necessidade) e ao que acontece sem escolha deliberada (contingência).
-  Diz Aristóteles que é livre aquele que tem em si mesmo o princípio para agir ou não agir, isto é, aquele que é causa interna de sua ação ou da decisão de não agir.
-  A liberdade é concebida como o poder pleno e incondicional da vontade para determinar a si mesma ou para ser autodeterminada.
-  É pensada, também, como ausência de constrangimentos externos e internos, isto é, como uma capacidade que não encontra obstáculos para se realizar, nem é forçada por coisa alguma para agir.
-  Trata-se da espontaneidade plena do agente, que dá a si mesmo os motivos e os fins de sua ação, sem ser constrangido ou forçado por nada e por ninguém.
- Sartre levou essa concepção ao ponto limite. Para ele, a liberdade é a escolha incondicional que o próprio homem faz de seu ser e de seu mundo.
- Quando julgamos estar sob o poder de forças externas mais poderosas do que nossa vontade, esse julgamento é uma decisão livre, pois outros homens, nas mesmas circunstâncias, não se curvaram nem se resignaram.
- Sartre afirma que estamos condenados à liberdade. É ela que define a humanidade dos humanos, sem escapatória.
Segunda concepção da liberdade
-          A segunda concepção da liberdade foi, inicialmente, desenvolvida por uma escola de Filosofia do período helenístico, o estoicismo, ressurgindo no século XVII com o filósofo Espinosa e, no século XIX, com Hegel e Marx.
-          Eles conservam a idéia aristotélica de que a liberdade é a autodeterminação ou ser causa de si. Conservam também a ideia de que é livre aquele que age sem ser forçado nem constrangido por nada ou por ninguém e, portanto, age movido espontaneamente por uma força interna própria.
No entanto, diferentemente de Aristóteles e de Sartre, não colocam a liberdade no ato de escolha realizado pela vontade individual, mas na atividade do todo, do qual os indivíduos são partes.
O todo ou a totalidade pode ser a Natureza – como para os estóicos e Espinosa  -, ou a Cultura  – como para Hegel  – ou, enfim, uma formação histórico-social  – como para Marx.
Em qualquer dos casos, é a totalidade que age ou atua segundo seus próprios princípios, dando a si mesma suas leis, suas regras, suas normas.
Essa totalidade é livre em si mesma porque nada a força ou a obriga do exterior, e por sua liberdade instaura leis e normas necessárias para suas partes (os indivíduos).
Liberdade Humana
  1. a primeira afirma que o todo é racional e que suas partes também o são, sendo livres quando agirem em conformidade com as leis do todo, para o bem da totalidade;
  2. a segunda afirma que as partes são de mesma essência que o todo e, portanto, são racionais e livres como ele, dotadas de força interior para agir por si mesmas, de sorte que a liberdade é tomar parte ativa na atividade do todo.
Terceira concepção da liberdade
Não somos um poder incondicional de escolha de quaisquer possíveis, mas que nossas escolhas são condicionadas pelas circunstâncias naturais, psíquicas, culturais e históricas em que vivemos, isto é, pela totalidade natural e histórica em que estamos situados.
Essa terceira concepção da liberdade introduz a noção de possibilidade objetiva.
-          O possível não é apenas alguma coisa sentida ou percebida subjetivamente por nós, mas é também e sobretudo alguma coisa inscrita no coração da necessidade, indicando que o curso de uma situação pode ser mudado por nós, em certas direções e sob certas condições.
-          A liberdade é a capacidade para perceber tais possibilidades e o poder para realizar aquelas ações que mudam o curso das coisas, dando-lhe outra direção ou outro sentido.
Vida e morte
Vida e morte são acontecimentos simbólicos, são significações;
Viver e morrer são a descoberta da finitude humana, de nossa temporalidade e de nossa identidade;
A ética é o mundo das relações intersubjetivas, isto é, entre o eu e o outro como sujeitos