quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

A filosofia moral II - Aula 3


Filosofia Moral II
História e virtudes
Comparando Aristóteles ao cristianismo
·          Virtudes prudentes à virtudes teologais (Deus)
·          Vício à pecado
·          Trocas de valores: modéstia e trabalho.
A ética de Espinosa
·          Somos seres naturalmente afetivos, isto é, nosso corpo é ininterruptamente afetado por outros corpos
·          O afeto ou o sentimento é constitutivo de nosso corpo e de nossa alma
·          Nossos afetos são naturalmente paixões
·          Paixões originais: alegria, tristeza e desejo
·          Vício: é a fraqueza para existir, agir e pensar/ Virtude: ter força interior para passar da passividade à atividade
·          A passagem da servidão à liberdade se dá no interior das paixões
·          Bom é que é útil para o crescimento de nosso ser; e mau o que nos impede de alcançar algo bom para nossa existência

Razão, desejo e vontade
·          Concepção intelectualista da ética: a vida virtuosa depende do conhecimento
·          Concepção voluntarista da ética: a vida moral depende essencialmente da nossa vontade
·          Distinção entre necessidade (conservação da existência) e desejo (adiciona o sentimento de prazer)
·          Vontade: o ato voluntário implica um esforço para vencer obstáculos; exige discernimento e reflexão antes de agir; refere-se ao possível
Desejo
Vontade
Paixão
Decisão
Imaginação
Reflexão
Não suporta o tempo
Realiza-se no tempo

·          Consciência e desejo referem-se às nossas intenções e motivações; a vontade, às nossas ações e finalidades
·          Ética das emoções e do desejo: para o emotivismo ético, o fundamento da vida moral não é a razão, mas a emoção.
·          Moral dos escravos (ressentidos): renunciam a verdadeira liberdade ética
·          Racionalismo humanista: mudança da sociedade para a ética realizar-se
Ética e psicanálise
·          O problema do inconsciente na ética
·          A psicanálise mostra que somos resultado e expressão de nossa história de vida, marcada pela sexualidade insatisfeita, que busca satisfações imaginárias sem jamais poder satisfazer-se plenamente. Não somos autores nem senhores de nossa história, mas efeitos dela. Mostra-nos também que nossos atos são realizações inconscientes de motivações sexuais que desconhecemos e que repetimos vida afora.
·          A psicanálise encontra duas instâncias ou duas faces antagônicas no inconsciente: o id ou libido sexual, em busca da satisfação, e o superego ou censura moral, interiorizada pelo sujeito, que absorve os valores de sua sociedade.
·          A batalha interior só pode ser decidida em nosso proveito por uma terceira instância: a consciência.

sábado, 16 de fevereiro de 2013

A filosofia moral I - Aula 2



Ética ou filosofia moral
Os costumes são anteriores ao nosso nascimento e formam o tecido da sociedade em que vivemos, de modo que acabam sendo considerados inquestionáveis e as sociedades tendem a naturalizá-los (isto é, a tomá-los como fatos naturais existentes por si mesmos). Não só isso. Para assegurar seu aspecto obrigatório que não pode ser transgredido, muitas sociedades tendem a sacralizá-los, ou seja, as religiões os concebem ordenados pelos deuses, na origem dos tempos. Como as próprias palavras indicam, ética e moral referem-se ao conjunto de costumes tradicionais de uma sociedade e que, como tais, são considerados valores e obrigações para a conduta de seus membros. 

A filosofia moral ou a disciplina denominada a ética nasce quando se passa a indagar o que são, de onde vêm e o que valem os costumes. 
A filosofia moral ou a ética nasce quando, além das questões sobre os costumes, também se busca compreender o caráter de cada pessoa, isto é, o senso moral e a consciência moral individuais. 

Podemos dizer, com base nos textos de Platão e de Aristóteles, que, no Ocidente, a ética ou filosofia moral inicia-se com Sócrates. 

Sócrates inaugura a ética

Percorrendo praças e ruas de Atenas — contam Platão e Aristóteles —, Sócrates perguntava aos atenienses, fossem jovens ou velhos, o que eram os valores nos quais acreditavam e que respeitavam ao agir. Que perguntas lhes fazia ele? Indagava: “O que é a coragem?”, “O que é a justiça?”, “O que é a piedade?”, “O que é a amizade?” A elas os atenienses respondiam dizendo serem virtudes. Sócrates voltava a indagar: “O que é a virtude?”. Retrucavam os atenienses: “É agir em conformidade com o bem”. E Sócrates questionava: “Que é o bem?”. 

As perguntas socráticas terminavam sempre por revelar que os atenienses respondiam sem pensar no que diziam. Repetiam o que lhes fora ensinado desde a infância. Como cada um havia interpretado à sua maneira o que aprendera, era comum, quando um grupo conversava com o filósofo, uma pergunta receber respostas diferentes e contraditórias. Após um certo tempo de conversa com Sócrates, um ateniense via-se diante de duas alternativas: ou zangar-se com a impertinência do filósofo perguntador e ir embora irritado, ou reconhecer que não sabia o que imaginava saber, dispondo-se a começar, na companhia de Sócrates, a busca filosófica da virtude e do bem. 

Por que os atenienses sentiam-se embaraçados (e mesmo irritados) com as perguntas socráticas? Por dois motivos principais: em primeiro lugar, por perceberem que confundiam valores morais com os fatos constatáveis em sua vida cotidiana (diziam, por exemplo, “Coragem é o que fez fulano na guerra contra os persas”); em segundo lugar, porque, inversamente, tomavam os fatos da vida cotidiana como se fossem valores morais evidentes (diziam, por exemplo, “É certo fazer tal ação, porque meus antepassados a fizeram e meus parentes a fazem”). Em resumo, confundiam fatos e valores, pois ignoravam as causas ou razões por que valorizavam certas coisas, certas pessoas ou certas ações, e desprezavam outras. Por isso mesmo se embaraçavam ou se irritavam quando Sócrates lhes mostrava que estavam confusos, dizendo-lhes que haviam dito que a conduta de fulano era corajosa, mas não haviam explicado o que é a coragem, ou que a conduta de beltrano era justa, mas não haviam explicado o que é a justiça. Tais confusões, porém, não eram (e não são) inexplicáveis. 

Nossos sentimentos, nossas condutas, nossas ações e nossos comportamentos são modelados pelas condições em que vivemos (família, classe e grupo sociais, escola, religião, trabalho, circunstâncias políticas, etc.). Somos formados pelos costumes de nossa sociedade, que nos educa para respeitarmos e reproduzirmos os valores propostos por ela como bons e, portanto, como obrigações e deveres. Dessa maneira, valores e deveres parecem existir por si e em si mesmos, parecem ser naturais e intemporais, fatos ou dados com os quais nos relacionamos desde nosso nascimento: somos recompensados quando os seguimos, punidos quando os transgredimos. 

Aristóteles e a práxis
Se devermos a Sócrates o início da filosofia moral, devemos a Aristóteles a distinção entre saber teórico ou contemplativo e saber prático. O saber teórico ou contemplativo é o conhecimento de seres e fatos que existem e agem independentemente de nós e sem nossa intervenção ou interferência, isto é, de seres e fatos naturais e divinos. O saber prático é o conhecimento daquilo que só existe como conseqüência de nossa ação e, portanto, depende de nós. A ética e a política são um saber prático. O saber prático pode ser de dois tipos: práxis ou técnica.
Na práxis, o agente, a ação e a finalidade do agir são inseparáveis ou idênticos, pois o agente, o que ele faz e a finalidade de sua ação é o mesmo. Devemos a Aristóteles a definição do campo das ações éticas, não só definido pela virtude, pela virtude, pelo bem e pela obrigação, mas também pertencem àquela esfera da realidade na qual cabem a deliberação e a decisão ou a escolha.
Quando deliberamos e decidimos sobre o passível, isto é, sobre aquilo que pode ser ou deixar de ser, porque para ser ou deixar de ser, porque para ser e acontecer depende de nós, de nossa vontade, e de nossa ação.
Aristóteles acrescenta à consciência moral trazida por Sócrates, a vontade guiada pela razão como o outro elemento fundamental da vida ética. A importância dada por Aristóteles à vontade racional o leva a considerar uma virtude como condição de todas as outras virtudes: a prudência ou sabedoria prática. O prudente se define por ser aquele que em todas as situações é capaz de julgar e avaliar qual atitude e qual a ação que melhor realiza a finalidade ética, ou seja, entre várias escolhas possíveis, qual a mais adequada para que o agente seja virtuoso e realize o que bom para si e para os outros.
Virtude em seu sentido original designa uma qualidade, caráter de algo, uma força ou potência que pertence à natureza de algo. Em sentido ético, significa uma qualidade positiva do indivíduo que faz com que este de forma a fazer o bem para si e para os outros.

Se examinarmos o pensamento filosófico dos antigos, veremos que nele a ética afirma três grandes princípios da vida moral:

1. por natureza, os seres humanos aspiram ao bem e à felicidade, que só podem ser alcançados pela conduta virtuosa;

2. a virtude é uma força interior do caráter, que consiste na consciência do bem e na conduta definida pela vontade guiada pela razão, pois cabe a esta última o controle sobre instintos e impulsos irracionais descontrolados que existem na natureza de todo ser humano;

3. a conduta ética é aquela na qual o agente sabe o que está e o que não está em seu poder realizar, referindo-se, portanto, ao que é possível e desejável para um ser humano. Saber o que está em nosso poder significa, principalmente, não se deixar arrastar pelas circunstâncias, nem pelos instintos, nem por uma vontade alheia, mas afirmar nossa independência e nossa capacidade de autodeterminação.

O Cristianismo: interioridade e dever

O cristianismo introduz duas diferenças primordiais na antiga concepção ética:
 - em primeiro lugar, a idéia de que a virtude se define por nossa relação com Deus e não com a cidade (a polis) nem com os outros.
 - em segundo lugar, a afirmação de que somos dotados de vontade livre – ou livre-arbítrio – e que o primeiro impulso de nossa liberdade dirige-se para o mal e para o pecado, isto é, para a transgressão das leis divinas. Somos seres fracos, pecadores, divididos entre o bem (obediência a Deus) e o mal (submissão à tentação demoníaca).
O cristianismo passa a considerar que o ser humano é, em si mesmo e por si mesmo, incapaz de realizar o bem e as virtudes. Tal concepção leva a introduzir uma nova idéia na moral: a idéia do dever.
A filosofia moral passou a distinguir três tipos fundamentais de conduta:
1. a conduta moral ou ética, que se realiza de acordo com as normas e as regras impostas pelo dever;
2. a conduta imoral ou antiética, que se realiza contrariando as normas e as regras fixadas pelo dever;
3. a conduta indiferente à moral, quando agimos em situações que não são definidas pelo bem e pelo mal, e nas quais não se impõem as normas e as regras do dever.
Juntamente com a idéia do dever, a moral cristã introduziu uma outra, também decisiva na constituição da moralidade ocidental: a idéia de intenção. O cristianismo, porém, é uma religião da interioridade, afirmando que a vontade e a lei divinas não estão escritas nas pedras nem nos pergaminhos, mas inscritas no coração dos seres humanos.
O dever não se refere apenas às ações visíveis, mas também às intenções invisíveis, que passam a ser julgadas eticamente. Eis por que um cristão, quando se confessa, obriga-se a confessar pecados cometidos por atos, palavras e intenções. Sua alma, invisível, tem o testemunho do olhar de Deus, que a julga.
Natureza humana e dever
Se a ética exige um sujeito autônomo, a idéia de dever não introduziria a heteronomia, isto é, o domínio de nossa vontade e de nossa consciência por um poder estranho a nós?
Um dos filósofos que procuraram resolver essa dificuldade foi Rousseau, no século XVIII. Para ele, a consciência moral e o sentimento do dever são inatos, são “a voz da Natureza” e o “dedo de Deus” em nossos corações. Nascemos puros e bons, dotados de generosidade e de benevolência para com os outros. Se o dever parece ser uma imposição e uma obrigação externa, imposta por Deus aos humanos, é porque nossa bondade natural foi pervertida pela sociedade, quando esta criou a propriedade privada e os interesses privados, tornando-nos egoístas, mentirosos e destrutivos.
Kant volta a afirmar o papel da razão na ética. Não existe bondade natural. Por natureza, diz Kant, somos egoístas, ambiciosos, destrutivos, agressivos, cruéis, ávidos de prazeres que nunca nos saciam e pelos quais matamos, mentimos, roubamos. É justamente por isso que precisamos do dever para nos tornarmos seres morais. 

sábado, 2 de fevereiro de 2013

A existência ética - Aula 1




Senso moral e consciência moral

Senso moral

Senso moral é a maneira como avaliamos nossa situação e a de nossos semelhantes, nosso comportamento, a conduta e a ação de outras pessoas segundo idéias como as de justiça e injustiça, certo e errado, de mérito e grandeza de alma. São exemplos de senso moral a indignação que sentimos diante de pessoas que passa fome, o nosso sentimento de vergonha, remorso, culpa diante das coisas que julgamos ter feito errado, quando ficamos contentes e emocionados diante de uma pessoa cujas palavras e ações manifestam honestidade, honradez, espírito de justiça e altruísmo.

Consciência moral

 A consciência moral não se limita aos nossos sentimentos morais, mas se refere também a avaliações de conduta que nos levam a tomar decisões por nós mesmos, a agir em conformidade com elas e a responder por elas perante os outros. È o que ocorre quando enfrentamos situações angustiantes que nos deixam em dúvida quanto à decisão a tomar, como em certos casos de eutanásia, de aborto, de delação.

O senso e a consciência moral têm como pressuposto fundamental a idéia de liberdade, porque dependem exclusivamente de nós mesmos, nascem de nossa capacidade de avaliar e decidir por nós mesmos e não levados por outros ou abrigados por eles.

Juízo de fato

É o que diz que algo é ou existe, é o que diz o que as coisas são como são e porque são. Por exemplo, “Está chovendo”, “Estou com fome”, “Crianças estão brincando”.

Juízo de valor

Avaliam coisas, pessoas, ações, experiências, acontecimentos, sentimentos, estados de espírito, intenções e decisões como bons ou maus, desejáveis ou indesejáveis. Não se limitam a dizer que algo é ou como é, mas como deve ser. Por exemplo, “A chuva é boa para as plantas”, “Comer demais faz mal”, “Crianças estão brincando com coisa séria”.

Moral e cultura

 A diferença entre a natureza e a cultura. A primeira, como vimos, é constituída por estruturas e processos necessários, que exis­tem em si e por si mesmos, independentemente de nós: a chu­va, por exemplo, é um fenómeno meteorológico cujas causas e cujos efeitos necessários não dependem de nós e que apenas podemos constatar e explicar.
Por sua vez, a cultura nasce da maneira como os seres humanos interpretam a si mesmos e as suas relações com a natureza, acrescentando-lhe sentidos novos, intervindo nela, alterando-a por meio do trabalho e da técnica, dan­do-lhe significados simbólicos e valores.

Ética e violência

Em nossa cultura a violência é entendida como violação da integridade física e psíquica, profanação das coisas sagradas e a discriminação social e política de pessoas por causa de suas crenças.

Os constituintes do campo ético

O campo ético é constituído pelo agente livre, que é o sujeito moral ou a pessoa moral, e pelos valores e obrigações que formam o conteúdo das condutas morais, ou seja, as virtudes ou as condutas e ações conformes ao bem.
O agente moral
O agente moral, isto é, o sujeito moral ou a pessoa mo­ral, só pode existir se preencher as seguintes condições:
ser consciente de si e dos outros, isto é, ser capaz de re­flexão e de reconhecer a existência dos outros como su­jeitos éticos iguais a si;
ser dotado de vontade, isto é,  de capacidade para con­trolar e orientar desejos, impulsos, tendências, paixões, sentimentos e de capacidade para deliberar e decidir entre várias alternativas possíveis;
ser responsável, isto é, reconhecer-se como autor da ação, avaliar os efeitos e as consequências dela sobre si e sobre os outros;
ser livre, isto é, ser capaz de oferecer-se como causa inter­na de seus sentimentos, atitudes e ações, por não estar submetido a poderes externos que o forcem e o constran­jam a sentir, a querer e a fazer alguma coisa.

Os valores ou fins éticos
Do ponto de vista dos valores, a ética exprime a ma­neira como uma cultura e uma sociedade definem para si mesmas o que julgam ser o mal e o vício, a violência e o cri­me e, como contrapartida, o que consideram ser o bem e a virtude, a brandura e o mérito. Independentemente do con­teúdo e da forma que cada cultura lhe dá, todas as cultu­ras consideram virtude algo que é o melhor como sentimen­to, como conduta e como ação; a virtude é a excelência, a realização perfeita de um modo de ser, sentir e agir. Em con­trapartida, o vício é o que é o pior como sentimento, como conduta e como ação; o vício é a baixeza dos sentimentos e das ações.
Por realizar-se como relação intersubjetiva e social, a ética não é alheia ou indiferente às condições históricas e políticas, econômicas e culturais da ação moral. Consequentemente, embora do ponto de vista da sociedade que a institui uma ética seja sempre considerada universal (uni­versal porque seus valores são obrigatórios para todos os seus membros), de fato, toda ética está em relação com o tempo e a história, transformando-se para responder a exi­gências novas da sociedade e da cultura, pois somos seres históricos e culturais e nossa ação se desenrola no tempo.
Os meios morais
Além do sujeito ou pessoa moral e dos valores ou fins morais, o campo ético é ainda constituído por um outro ele­mento: os meios para que o sujeito realize os fins.
Costuma-se dizer que os fins justificam os meios, de modo que, para alcançar um fim legítimo, todos os meios disponíveis são válidos. No caso da ética, porém, essa afir­mação não é aceitável.
No caso da ética, portanto, nem todos os meios são justificáveis, mas apenas aqueles que estão de acordo com os fins da própria ação. Em outras palavras, fins éticos exi­gem meios éticos.
A relação entre meios e fins pressupõe a ideia de dis­cernimento, isto é, que saibamos distinguir entre meios morais e imorais, tais como nossa cultura ou nossa socie­dade os definem. Isso significa também que esse discerni­mento não nasce conosco, mas precisa ser adquirido por nós e, portanto, a pessoa moral não existe como um fato dado, mas é criada pela vida intersubjetiva e social, preci­sando ser educada para os valores morais e para as virtu­des de sua sociedade.